Antonio Luceni
aluceni@hotmail.com
Fui trabalhar na segunda-feira com caixa de correio e à tarde, quando retornei do trabalho, ela não existia mais. Pois é, levaram minha caixa de correio. Em meio à anestesia da cena contemplada, algumas divagações surgiram.
Divagação 1:
Lembrei-me dos ensinamentos de meus pais, na infância, quando diziam a mim e a meus irmãos que não devíamos, nunca, pegar nada de ninguém, nem um palito de fósforo, agulha ou coisa assim. O engraçado é que, na lista, não mencionaram caixa de correio. Talvez tenha sido este o motivo do infortúnio: os pais do desocupado que cometeu o ato não tenham relacionado nos ensinamentos caseiros ser erro, também, subtrair caixa de correio alheia, e o pobre infeliz achou-se no direito de fazê-lo.
Divagação 2:
Na era da internet, correspondência mesmo, só revistas, jornais, panfletos de supermercados e, é claro, os impostos da vida. Aí me veio à idéia: será que, sem caixa de correio, não precisarei mais pagar impostos? Quem pode afirmar, por mais carteiro que seja, que recebi o talão do indulto vil, se minha caixa de correio não mais existe? Afinal, dentre as várias atribuições do Estado na administração do dinheiro público, está a Segurança Pública que, nos nossos dias, está mais para insegurança pública. Bom, já que nem uma caixa de correio está segura, o que dizer do resto? O que me deixa triste é que minhas revistas e jornais estão à mercê da boa vontade do carteiro em jogá-los, por sobre o muro (alto para tentar proteção contra – mais – bandidos), num canto qualquer da casa.
Divagação 3:
Já que mencionamos internet, uma outra idéia que me veio à mente foi: Será que roubaram também minha caixa de e-mail? Depressa acessei o site, digitei nome e senha e, com alívio, pude constatar: estava ali. Não a haviam invadido. Nenhum racker se interessou por ela. Vai ver que o material existente nela não é vendável. Não tem nenhum dossiê secreto, fotos comprometedoras, informações bombásticas ou coisa assim. Menos mal. Ao menos continuo com um meio de comunicação livre (acho que sim!) de roubos.
Divagação 4:
Também, no calor da notícia visual, “vista com meus próprios olhos!”, lembrei-me do poema de Eduardo Alves da Costa, No caminho com Maiakovski. Eis um pedaço: “Na primeira noite eles se aproximam/ e roubam uma flor/ do nosso jardim./ E não dizemos nada./ Na segunda noite, já não se escondem;/ pisam as flores, matam nosso cão,/ e não dizemos nada./ Até que um dia,/ o mais frágil deles/ entra sozinho em nossa casa,/ rouba-nos a luz, e,/ conhecendo nosso medo,/ arranca-nos a voz da garganta./ E já não podemos dizer nada.”. Acham que devemos nos calar? Eu não concordo com isso. Não vão arrancar minhas rosas nem matar meu cachorro.
Divagação 5:
Como provavelmente o autor do nefasto ato citado não lê jornal, escrevo apenas pra externar minha (talvez coletiva) insatisfação frente às atrocidades e inércia dos poderes instituídos de nosso país que, infelizmente, estão cada vez mais cristalizados na ação contra todo tipo de atitude leviana e primitiva (no pior sentido) que assola nossa nação. Do furto da caixa de correio até, mal comparando, o assassinato brutal do menino João Hélio, tudo deve ser visto com o rigor, seriedade e responsabilidade social devidos.
Divagação 6:
Por último, já que as coisas demoram progredir em nosso país, já que os recursos são parcos para se oferecer melhores condições de trabalhos aos policiais, já que não se tem recursos para novas contratações e treinamentos, entre tantas outras lacunas, acredito que uma boa idéia seja a volta dos pombos-correio. É isso! Para acabar com os roubos das caixas de correio, de novo, pombos-correio. E cuidado com o estilingue, moleque!
Depois de tanta divagação, peguei o telefone, liguei para serralheria e encomendei outra caixa de correio. Desta vez de ferro. Acho que ainda não estão se interessando pelas caixas de ferro. Tomara que não!
Antonio Luceni é professor universitário e escritor, membro da União Brasileira de Escritores – UBE.