segunda-feira, 28 de junho de 2010
Tsunamis mundiais!
Cala boca, Galvão!, enchetes no nordeste, 0 x 0 Portugal/Brasil, 3 x 1 Argentina/México. É, as últimas semanas foram realmente sufocantes para muita gente do Brasil e do mundo.
Primeiro, acho feio esse termo “cala a boca”. Coisa de gente sem educação, na minha opinião. Há várias maneiras de se fazer a mesma coisa, não é mesmo? Por exemplo, ao invés de mandar o Galvão calar a boca há uma pecinha bastante antiga entre nós chamada “controle remoto”. O mecanismo é simples: não estou satisfeito com esse ou aquele programa, aperto uma das teclas (normalmente em inglês channel) para frente ou para trás e... pronto! Problema resolvido. Aí, não precisariam ser tão grosseiros.
Saiu uma matéria extensa na Veja desta semana analisando, sob muitos aspectos, a catástrofe que abalou parte de Alagoas e Pernambuco nos últimos dias. Vale a pena lê-la. O pior: um acidente presumível, mas que pouco foi feito para evitá-lo. Quase uma ironia do destino: uma região no País tão sofrida por causa da seca, morrer tanta gente afogada.
Não sei se já comentei com você, prezado leitor, mas não estou assistindo aos jogos dessa Copa. Desde a palhaçada (com perdão dos profissionais de circo) da Copa na França, prometi para mim mesmo não gastar mais nem uma gotinha (não sei se pode ser medida assim!) da minha adrenalina por causa de futebol. Mas quem aguenta, né?! 0 a 0 Brasil e Portugal. Que jogo feio. Que futebol arte? Onde estava Cristiano Ronaldo? E o Kaká, onde está?
Agora, 3 a 1 Argentina e México... que foi aquilo, minha gente?! Para os argentinos sempre há quem dê uma mãozinha, bandeiradazinha, roubadinha... Aliás, esses juízes e bandeirinhas estão loucos. Primeiro na partida da manhã um gol impedido da Inglaterra. À tarde, aquela coisa louca em benefício do hermanos. Como diria o outro: assim não pode, assim não dá!
Parece que as más notícias estão vindo para nós, brasileiros, como tsunamis mundiais.
Tomara que essa onda passe!
Antonio Luceni é mestre em Letras e escritor, membro da União Brasileira de Escritores – UBE.
domingo, 20 de junho de 2010
Saramago para o corpo e a alma
Antonio Luceni
aluceni@hotmail.com
José de Sousa Saramago nasceu em Portugal em 1922. Era para ter sido registrado com o mesmo nome do pai, mas o tabelião acrescentou o apelido que o deixaria conhecido no mundo todo: Saramago, que também dá nome a uma planta que serve de alimento para os pobres em tempos difíceis. Aí, as disgressões de sempre:
a) Desde o início estava fadado a agir do lado mais fraco, o lado da precariedade da vida. Se saramago era ração para pobres, Saramago também o foi. Eu que sou plebeu, que não tenho pedigree, vira-lata cultural e intelectual. A mim me interessa a piadinha do boteco de esquina aos mais cátedros níveis intelectuais. Saramago serviu para matar minha fome.
b) Meu Deus! Mais uma vez essa: literatura como alimento para famintos. Lembro-me de seu Ensaio sobre a cegueira. Quase fiz par com a multidão de zumbis do livro, tal forte e eficaz a estrutura do texto sem paragrafações, travessões ou quaisquer outros artifícios linguisticos que contribuissem para uma leitura às “claras”. Mas a esperança apareceu no final do túnel (vindo de um amuado, um final surpreendente).
c) Na possibilidade de os menos afortunados se colocarem na vida e se fazerem escutar por meio da literatura. Assim como milhões de brasileiros, Saramago era de origem humilde, quase não pode cursar uma faculdade e seu primeiro livro, segundo informações ventiladas na mídia, conseguiu aos 19 anos, com dinheiro emprestado de um amigo. Quanta demora para um encontro com algo que faria parte da sua vida e morte (ele estava lá, nas mãos de alguns em meio à multidão, se despedindo de seu criador. Agora, é a criatura que irá continuá-lo).
d) Um comunista, um revolucionário que usou de uma arma tão eficaz a ponto de censurá-lo em seu próprio país e, mesmo não sendo formal a postura, o exílio foi sua melhor opção. É, a palavra é penetrante e eficaz como uma espada de dois fios. Livros seus foram proibidos (mas o homem escrevia ficção, minha gente). Quem tem medo de lobo mau?!
Fiquei pensando nessas coisas. Fiquei pensando o quanto saramago faz bem pra gente. Fiquei pensando o quanto Saramago teria deixado falta se não passasse por aqui. Agora, está noutra parte do universo provocando, observando tudo, quem sabe escrevendo um novo livro? De uma coisa podemos estar certos: vai continuar alimentando muita gente.
Antonio Luceni é mestre em Letras e escritor, membro da União Brasileira de Escritores – UBE.
sexta-feira, 18 de junho de 2010
CARTA-RESPOSTA ÀS ALUNAS DO 6º TERMO DE PEDAGOGIA
Prezadas,
é com grande alegria que recebo notícias de vocês. Meu sentimento com relação ao nosso percurso deste semestre é muito parecido, principalmente no que se refere ao aprendizado.
Nossa vida é assim mesmo, costurada por diferentes sentimentos que se intercalam e fazem a gente viver as várias emoções necessárias para a formatação do que chamamos vida. É por meio dos contrastes - amor/ódio, alegria/tristeza, esperança/desilusão... - que conseguimos valorizar nossas experiências. Afinal, o "viver feliz para sempre" só funciona em contos de fadas, não é mesmo?
Gostaria também de desejar-lhes sucesso nessa caminhada que se aproxima do final (será?!). Que vocês levem em vossos corações - e que seja extensivo às vossas salas de aula - todo esse esforço em querer fazer as coisas bem feitas, o gás que faz com que acordemos e encontremos motivos para continuar a caminhada.
Mais uma vez tudo de bom e que Deus as abençoe.
Prof. Antonio
PS - Deixe um comentário logo abaixo para validar seu texto da sala.
CARTA-RESPOSTA AOS ALUNOS DO 1° TERMO DE ARTES VISUAIS
Estimados alunos,
É com grande alegria que recebo as mensagens de vocês e fico muito feliz com os comentários feitos.
Também para mim foi muito prazeroso o trabalho desenvolvido ao longo do semestre e, assim como descrevem em vossos relatos, aprendi bastante em nossas aulas com cada um de vocês.
Quando se referem à antipatia que sentiam sobre nossa Língua Portuguesa, infelizmente, não é algo só de vocês. Muitas vezes o contato dos alunos - e das pessoas de modo geral - com gramática, literatura e produção de textos é algo truncado e cheio de problemas. Quando dizem que, de certa forma, pude resgatar esse contato de vocês com a Língua de forma positiva, fico bastante feliz. Inclusive, entre vocês, de alunas que já estão com intenção de se matricularem num curso de Português. Isso é muito bom.
Com relação ao lado mais "humanizador" de nossas aulas (no resgate de histórias da vida de vocês, nas reflexões de escrita a partir de elementos do cotidiano e de fatos próximos da gente etc.) é assim mesmo! Tudo na escola deve - e isso é muito particular - pensar a vida e contribuir com nossa relação com ela.
Bem, prezados, fico por aqui e espero que tenham ótima férias.
Um forte abraço,
Prof. Antonio
P.S. Deixe um comentário logo abaixo dessa carta e valide seu trabalho de sala.
quinta-feira, 17 de junho de 2010
Meus oito anos
Casimiro de Abreu
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
- Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar - é lago sereno,
O céu - um manto azulado,
O mundo - um sonho dourado,
A vida - um hino d'amor!
Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!
Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minhã irmã!
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
- Pés descalços, braços nus -
Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
- Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
A sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!
Infância
Carlos Drummond de Andrade
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.
No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.
Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
- Psiu... Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro... que fundo!
Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.
E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.
terça-feira, 15 de junho de 2010
Vai que é tua, Brasil!
segunda-feira, 14 de junho de 2010
GRUPO DE ESTUDO EM LEITURA E LITERATURA INFANTO-JUVENIL DA SECRETARIA MUNICIPAL DA EDUCAÇÃO DE ARAÇATUBA - UMA ALTERNATIVA PARA FORMAÇÃO CONTINUADA
Antonio Luceni dos Santos (SME/Araçatuba/SP)
Ninguém educa ninguém,
Ninguém se educa sozinho.
Os homens se educam em comunhão,
Mediatizados pelo mundo.
Paulo Freire
Porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata,
Mas com gente é diferente.
Geraldo Vandré
RESUMO
O trabalho busca refletir sobre formas de formação continuada a partir de experiência desenvolvida na Secretaria Municipal da Educação no município de Araçatuba junto a diretoras, coordenadoras pedagógicas e professoras da Rede Municipal. Com o intuito de discutir algumas questões relacionadas ao universo do texto estético dirigido para crianças e adolescentes e, nesse viés, propor um encaminhamento de leitura tendo por base o texto literário, contribuir e dar forma à nova Proposta Político Pedagógica da cidade de Araçatuba. Fazer de Araçatuba uma cidade leitora a começar desde as séries iniciais na Educação Infantil, com várias ações que atinjam os diferentes espaços da infância.
Palavras-chave: Grupo de estudo, Formação continuada, leitura, literatura infanto-juvenil
INTRODUÇÃO
Há muito tempo, quando se pensava num curso de graduação, é recorrente a ideia de que apenas a conclusão do curso superior era suficiente não só para garantia de vaga no mercado de trabalho, mas também como forma de exprimir um certo status quo com relação ao pensamento intelectualizado, concluso e definitivo portanto. Na última década, entretanto, essa condição de imutabilidade das coisas foi colocada em xeque e entende-se que, concluída a graduação, é imprescindível a continuidade na formação profissional como forma – no mínimo – de manter-se atualizado e condizente com as realidades propostas pelo nosso cotidiano, marcado cada vez mais por mídias tão velozes e volúveis quanto seu próprio tempo (pensemos, por exemplo, na internet e todas as micromídias nela presentes como chats, orkut, twitter, e-mails, blogs etc., etc. etc...).
Para Nóvoa (1995) : “O aprender contínuo é essencial e se concentra em dois pilares: a própria pessoa, como agente, e a escola, como lugar de crescimento profissional permanente”. Para esse estudioso português, a formação continuada se dá de maneira coletiva e depende da experiência e da reflexão como instrumentos contínuos de análise.
Visto sob este aspecto é importante pensarmos no professor e demais agentes escolares (diretor, coordenador pedagógico, principalmente) como agentes-pesquisadores (professor-pesquisador, coordenador-pesquisador, diretor-pesquisador) e não somente como agentes repetidores de ações ou repassadores de “recados” para o alunos, como uma “cascada-burocrática-engessadora” que deságua na sala de aula, no aluno por assim dizer.
Ainda para Nóvoa, uma melhor educação depende, em muito, do enriquecimento da qualidade e continuidade da formação de professores, com práticas pedagógicas e atividades diferenciadas que incluam a observação, a análise e a responsabilidade por atividades docentes.
Em se tratando do profissional da Educação Básica, séries iniciais, essas questões de formação continuada e de professor-pesquisador parecem revestir-se de uma maior responsabilidade, haja vista o tratamento dispensado às crianças ao longo da história da humanidade e, no recorte aqui feito, de modo particular na escola, isto é, a criança como alguém vazio, sem nenhuma experiência que pudesse contribuir com seu próprio aprendizado e dos colegas e, principalmente, com o professor. É bom pensarmos, também, que até bem pouco tempo, antes da LDB 9394/96, para se atuar numa sala de aula do Ensino Infantil e Fundamental de 1ª a 4ª série bastava ter apenas um curso técnico, Magistério.
O professor deve ser capaz de levantar dúvidas sobre seu trabalho. Não apenas ensinar bem a fazer algumas contas de Matemática ou a ler um conto. É preciso ir mais fundo, saber o que acontece com o aluno que não consegue desenvolver essa ou aquela atividade, por que aprende esse ou aquele conceito. Nesse sentido, o grande laboratório para a continuidade da formação docente será sempre sua sala de aula, com todas as suas nuanças, suas particularidades e suas especificidades. O professor deve ser, também, um grande provocador para que o aluno sinta-se curioso e estimulado a buscar novos conhecimentos, elaborar novos conceitos e rever os já cristalizados, convencionalizados pelo tempo.
Quando o professor faz isso corretamente, o aluno aprende a gerir seu estudo, dificilmente ele será alguém que só decora, porque o mestre insere nele estratégias de interrogação e busca formá-lo como um indivíduo autônomo.
Discutindo um pouco sobre alguns aspectos da leitura
Pensar em leitura no Brasil é, sem dúvida alguma, propor-se a um grande desafio. A começar pelos altos preços ainda cobrados pelos livros, pensar na grande ausência de bibliotecas nos bairros e nas próprias escolas e por aí vai. Pensar em leitura para a criança é maximizar ainda mais esse desafio já que esta depende quase que exclusivamente de um adulto para a iniciativa de ler para ou por ela, quer seja o pai ou a mãe, um professor ou bibliotecário, e assim por diante.
Os dados acima, somados aos muitos outros que não nos cabe aqui relatar, afunilam e caracterizam o baixo nível de desempenho que nossos alunos têm atingido em avaliações sejam em nível municipal, estadual ou federal e até internacional, como é o caso do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos, órgão ligado à UNESCO), em que o Brasil atingiu em 2006 a 52ª posição, num total de 57 países avaliados, ficando atrás apenas do Quirziquistão, Catar, Azerbaijão, Tunísia e Colômbia, países em condições sociais e econômicas bem mais inferiores que as de nosso País.
Um outro aspecto da leitura é que ela ocorre nas diferentes fases de nossa vida. Desde que nascemos somos “forçados a ler”. Essa leitura dá-se por meio dos diferentes sentidos: a) No olfato, quando o bebê sente o cheiro dos seios fartos para se alimentar ou, mesmo adulto, ao chegar para o almoço e consegue adivinhar o cardápio já do portão; b) Na visão, profícua leitora de gestos, paisagens, pinturas e esculturas, das letras, dos pentagramas e tudo mais; c) Na audição, na sensibilidade do choro, do grito de socorro, do ronco do motor, da sirene... d) No paladar que se inicia a procurar os vários níveis do amargo e doce, do ardido e suave, do cremoso e do crocante...; e) No tato da pele do pêssego e do figo, das rugas e calos das mãos do trabalhador, da pele d’água e tudo mais... Ou tudo isso combinado, juntos, num mix de sensações.
Pensando que há diferentes tipos de textos e leituras não podemos encará-los e nos relacionarmos com eles da mesma maneira, isto é, se temos diversidade de textos, logo, teremos diferente tipos de leitura. Para Ana Maria Kaufman:
Os textos, enquanto unidades comunicativas, manifestam diferentes intenções do emissor: procuram informar, convencer, seduzir, entreter, sugerir estados de ânimo etc., em correspondência a estas intenções, é possível categorizar os textos, levando em conta a função da linguagem que neles predomina. Kaufman (1995)
Tendo em vistas essas diferentes intencionalidades dos textos nossa relação com eles terá menos ou mais eficácia na medida em que conseguirmos perceber como se estruturam, como se propõem, como dialogam conosco. E esse processo de leitura é algo que dura a vida toda, conforme afirma Maria Helena Martins: “... o homem lê como em geral vive, num processo permanente de interação entre sensações, emoções e pensamentos”. E quais textos presentes na escola trabalham tanto com sensações, emoções e pensamentos mais do que o texto literário? Para Ricardo Azevedo:
É preciso, a meu ver, que dentro do processo educacional, ao lado das matérias oficiais, seja criado espaço para inferências mais amplas: que apresentem a existência humana na sua complexidade, como um processo subjetivo inevitavelmente contraditório (fazemos projetos futuros e sabemos que vamos morrer); mostrem que as relações com o Outro são também essencialmente contraditórias (só podemos enxergar o Outro a partir de nossa experiência e esta não consegue englobar a experiência do Outro, que é singular e única); lembrem que todos os seres humanos, independentemente de faixas etárias, são aprendizes; assinalem que é difícil, por vezes impossível, separar realidade e ficção e o que chamamos de “realidade” é uma construção sócio-cultural. (AZEVEDO, 2005)
Como vemos, estamos sempre com um pé na realidade e outro na ficção. E isso é muito mais do que necessário, é espontâneo. Precisamos da ficção para viver. Desde que existimos (é só lembrarmos dos nossos antecessores nas cavernas) pintamos e desenhamos, esculpimos, construímos artefatos para os mais diferentes fins, cantamos, dançamos, erguemos monumentos e construções, escrevemos e lemos...
Bartolomeu Campos Queirós, respeitado escritor brasileiro, em seu Manifesto por um Brasil literário, declara o seguinte:
É no mundo possível da ficção que o homem se encontra realmente livre para pensar, configurar alternativas, deixar agir a fantasia. Na literatura que, liberto do agir prático e da necessidade, o sujeito viaja por outro mundo possível. Sem preconceitos em sua construção, daí sua possibilidade intrínseca de inclusão, a literatura nos acolhe sem ignorar nossa incompletude. É o que a literatura oferece e abre a todo aquele que deseja entregar-se à fantasia. Democratiza-se assim o poder de criar, imaginar, recriar, romper o limite do provável. Sua fundação reflexiva possibilita ao leitor dobrar-se sobre si mesmo e estabelecer uma prosa entre o real e o idealizado. A leitura literária é um direito de todos e que ainda não está escrito. (QUEIRÓS, 2009).
Conforme afirmado acima, é no texto literário que teremos oportunidade de nos pronunciar, de problematizar e questionar as verdades cristalizadas e convencionadas, é o nosso “confecionário” em que podemos nos declarar sem pudor, sem receio do ridículo ou do “errado”. Aliás, o errado, o não-possível, o inusitado e não-existente têm razão de ser, de se apresentarem.
Por outro lado, de modo geral, o que vemos em nossas escolas – sejam elas particulares ou públicas – é uma quase ausência de procedimentos e ações mais direcionados e voltados para o texto estético, conforme afirma Maria Alice Faria:
Geralmente, em trabalhos com a leitura e a elaboração de textos narrativos ou poéticos, costuma-se solicitar dos alunos que produzam textos espontâneos, como se eles dominassem instintivamente todos os elementos básicos na construção de narrativas ou de poemas. Essa é uma idéia muito corrente na escola, a de acreditar que a criatividade das crianças já é suficiente para elaborar (criar) suas histórias e pequenos poemas. Mas a aquisição dessas competências passa de início pela leitura e audição de narrativas e poemas. (FARIA, 2004)
Tendo em vista o exposto, notamos que, mesmo o texto literário/estético aparecendo de forma pontual e muito tímida na sala de aula, quando é trabalhado não atende ou cumpre com as metas e/ou características intrínsecas a ele.
Somado a esta deficiência há outra, igualmente grave que precisa ser diluída ou, pelo menos, minimizada: a formação dos profissionais da educação e, mais especificamente, das unidades escolares, isto é, diretores, coordenadores pedagógicos, professores, recreacionistas etc... Ainda para Maria Alice Faria:
Daí a grande importância de o professor ter uma formação literária básica para saber analisar os livros infantis, selecionar o que pode interessar às crianças num momento dado e decidir sobre os elementos literários que sejam úteis para ampliar o conhecimento espontâneo que a criança já traz de sua pequena experiência de vida. (FARIA, 2004).
Mas como ter elementos para análise, seleção e indicação de obras literárias infantis se esta área do saber é algo razoavelmente recente, tendo sido incluída nas grades curriculares dos cursos superiores somente nas últimas duas décadas, praticamente e, por esse motivo, nossos educadores não terem tido acesso a ela? Como falar de gosto pela literatura infantil se nós mesmos, quando crianças, não lemos ou ouvimos literatura infantil, não conhecemos autores e obras? Estas e outras questões contribuíram – somado aos outros elementos já citados anteriormente – para que, dentro da Coordenadoria de Projetos de Leitura e Literatura Infantil e Juvenil da Secretaria Municipal de Educação de Araçatuba – fosse proposto um Grupo de Estudo em Leitura, tendo como eixo básico e como fio condutor a leitura de textos estéticos/literários dirigidos para crianças e adolescentes.
O Grupo de Estudo da Secretaria de Educação e seu foco de interesse
A proposta de formar um Grupo de Estudo voltado para pensar leitura e literatura infantil e juvenil, como dito antes, foi no sentido de propiciar para os professores da Rede Municipal de Araçatuba um momento de reflexão e estudo sobre essas áreas de conhecimento. Também, dentro de uma proposta maior, estimular a presença de obras de caráter estético-literárias no cotidiano escolar de nossas crianças, sob forma de convite aos educadores.
O convite deu-se na primeira reunião de Diretoras do mês de agosto deste ano e, durante um mês, foram recebidas as inscrições. De um universo de aproximadamente 600 professores da Rede Municipal, apenas cinco professoras fizeram inscrição. Em contrapartida, o que num primeiro momento não era público alvo, acabou caracterizando o grupo: a adesão de quase um terço das diretoras da Rede Municipal.
Problematizado o porquê de não abrir espaço para que também as diretoras e coordenadoras pedagógicas participassem do grupo de estudo, não vimos razão para não fazê-lo e, desde o primeiro encontro do grupo, em 09 de setembro de 2009, o Grupo de Estudo em Leitura e Literatura Infantil e Juvenil ficou constituído da seguinte forma: 23 integrantes, sendo: 14 diretoras (12 do Ensino Infantil e 2 do Ensino Fundamental I), 03 coordenadoras pedagógicas, 04 professoras, 01 supervisora de ensino e a Diretora de Educação e Ensino da Secretaria de Educação.
Esta situação trouxe duas reflexões, pelo menos, para rever a proposta:
1) Por que razão os professores da Rede Municipal não se interessaram em participar do grupo de estudo? e,
2) O que motivou as diretoras a quererem participar do referido Grupo?
Ouvindo os participantes no primeiro encontro, procuramos esclarecer tais questões. Sobre a primeira, o grupo entendeu que pelo fato de muitos professores dobrarem período e, por os encontros acontecerem somente durante as tardes e em horário de expediente, muitos ficaram prejudicados na participação. Houve ainda quem sugerisse certo descaso ou desinteresse, mesmo.
Com relação à segunda pergunta, o fato de o contato ser diretamente com as interessadas, isto é, diretoras e coordenadoras na maioria, ficou fácil determinar as razões do interesse na participação. Segundo elas, há poucas oportunidades de cursos e ações voltadas para capacitação e atualização dos gestores da Rede sendo que as que surgem são bem aproveitadas. Além disso, segundo elas, o tema foi atraente.
Estas reflexões todas são válidas e merecem nossa ponderação, entretanto, é comum observarmos na formação de nossos educadores de modo geral a perspectiva e a sensação de que o curso da graduação é suficiente para a formação e atuação em sala de aula. A título de exemplo podemos mencionar o grande número de professores inscritos nos cursos de graduação do País logo imediatamente à aprovação da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB 9394/96. Isto porque a referida Lei determinava que todos os professores que não tivessem um curso superior teriam um prazo de dez anos, a partir da aprovação da Lei, para que cursassem um, sob risco de perderem seus cargos caso não o fizessem, o chamado “decênio” da LDB.
Sobre isso, Freire (1996) afirma que: “É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem é que se pode melhorar a próxima prática”. Também, retomando o relatório para UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, Educação, um tesouro a descobrir, no seu quarto capítulo sobre os pilares da educação, o “Aprender a conhecer” deve ser algo constante no cotidiano de qualquer área do conhecimento, sendo a Educação uma delas:
Esse tipo de aprendizagem que visa não tanto a aquisição de um repertório de saberes codificados, mas antes o domínio dos próprios instrumentos do conhecimento por ser considerado, simultaneamente, como um meio e como uma finalidade da vida humana. Meio, porque se pretende que cada um aprenda a compreender o mundo que o rodeia, pelo menos na medida em que isso lhe é necessário para viver dignamente, para desenvolver as suas capacidades profissionais, para comunicar. Finalidade, porque seu fundamento é o prazer de compreender, de conhecer, de descobrir. (UNESCO, 1997).
Como observamos, pensar numa educação continuada é, principalmente, pensar numa melhor qualidade de vida, numa relação com o mundo de forma mais eficaz e dinâmica, é extrair o que há de melhor nas relações sociais, é contribuir para um pensamento crítico e reflexivo mais apurado, ou pelo simples fato de absorver o saber com sabor, pela satisfação em conhecer o novo, em ter contato com descobertas nas várias relações com o mundo.
CONCLUSÃO
Tendo em vista as considerações levantadas anteriormente e, ainda, questões que ficam em aberto com relação à formação do professor, os meios, oportunidades e condições propiciadas para que esse profissional possa colocar em prática a Formação Continuada e traga à consciência sobre a importância de colocar sua prática pedagógica nesse processo contínuo em busca da construção do saber, o que significa a constituição de uma conduta de vida profissional; sobre a importância dessa mudança na prática pedagógica e na implicação da releitura da função do professor como profissional reflexivo e da escola em conhecer o novo, em ter contato com descobertas nas várias relações como organização promotora do desenvolvimento do processo educativo, entre outras questões que não cabem ser discutidas nesse momento, é preciso dar-se conta de que esse processo de constante atualização e levantamento de novas questões educacionais para busca de soluções para velhos problemas presentes na escola e até fora dela relacionados à Educação além de necessário é imprescindível para uma sociedade mais justa, igualitária, democrática e oportunizadora. Para formação de cidadãos atuantes como sujeitos e não apenas como indivíduos. Cremos, nesse sentido, que as reflexões trazidas pelo Grupo de Estudo da Secretaria da Educação de Araçatuba nos campos da Leitura e Literatura Infantil contribuem para atingir esses objetivos.
BIBLIOGRAFIA
• AZEVEDO, Ricardo. Aspectos instigantes da literatura infantil e juvenil, site do autor www.ricardoazevedo.com.br, 2005.
• DELORS, Jacques. Trad. José Carlos Eufrázio. Um tesouro a descobrir - relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. CORTEZ. UNESCO. MEC. Ministério da Educação. São Paulo: Cortez, 1997.
• FARIA, Maria Alice. Como usar a literatura infantil na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2004.
• FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
• MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1982.
• NÓVOA, Antonio. (coord). Os professores e sua formação. Lisboa-Portugal, Dom Quixote, 1997.
• QUEIRÓS, Bartolomeu Campos. Manifesto por um Brasil literário. www.brasilliterario.com.br, 2009.
• KAUFMAN, Ana Maria e RODRIGUEZ, Maria Helena. Escola – leitura e produção de texto. Porto Alegre: ArtMed, 1995.
Ninguém educa ninguém,
Ninguém se educa sozinho.
Os homens se educam em comunhão,
Mediatizados pelo mundo.
Paulo Freire
Porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata,
Mas com gente é diferente.
Geraldo Vandré
RESUMO
O trabalho busca refletir sobre formas de formação continuada a partir de experiência desenvolvida na Secretaria Municipal da Educação no município de Araçatuba junto a diretoras, coordenadoras pedagógicas e professoras da Rede Municipal. Com o intuito de discutir algumas questões relacionadas ao universo do texto estético dirigido para crianças e adolescentes e, nesse viés, propor um encaminhamento de leitura tendo por base o texto literário, contribuir e dar forma à nova Proposta Político Pedagógica da cidade de Araçatuba. Fazer de Araçatuba uma cidade leitora a começar desde as séries iniciais na Educação Infantil, com várias ações que atinjam os diferentes espaços da infância.
Palavras-chave: Grupo de estudo, Formação continuada, leitura, literatura infanto-juvenil
INTRODUÇÃO
Há muito tempo, quando se pensava num curso de graduação, é recorrente a ideia de que apenas a conclusão do curso superior era suficiente não só para garantia de vaga no mercado de trabalho, mas também como forma de exprimir um certo status quo com relação ao pensamento intelectualizado, concluso e definitivo portanto. Na última década, entretanto, essa condição de imutabilidade das coisas foi colocada em xeque e entende-se que, concluída a graduação, é imprescindível a continuidade na formação profissional como forma – no mínimo – de manter-se atualizado e condizente com as realidades propostas pelo nosso cotidiano, marcado cada vez mais por mídias tão velozes e volúveis quanto seu próprio tempo (pensemos, por exemplo, na internet e todas as micromídias nela presentes como chats, orkut, twitter, e-mails, blogs etc., etc. etc...).
Para Nóvoa (1995) : “O aprender contínuo é essencial e se concentra em dois pilares: a própria pessoa, como agente, e a escola, como lugar de crescimento profissional permanente”. Para esse estudioso português, a formação continuada se dá de maneira coletiva e depende da experiência e da reflexão como instrumentos contínuos de análise.
Visto sob este aspecto é importante pensarmos no professor e demais agentes escolares (diretor, coordenador pedagógico, principalmente) como agentes-pesquisadores (professor-pesquisador, coordenador-pesquisador, diretor-pesquisador) e não somente como agentes repetidores de ações ou repassadores de “recados” para o alunos, como uma “cascada-burocrática-engessadora” que deságua na sala de aula, no aluno por assim dizer.
Ainda para Nóvoa, uma melhor educação depende, em muito, do enriquecimento da qualidade e continuidade da formação de professores, com práticas pedagógicas e atividades diferenciadas que incluam a observação, a análise e a responsabilidade por atividades docentes.
Em se tratando do profissional da Educação Básica, séries iniciais, essas questões de formação continuada e de professor-pesquisador parecem revestir-se de uma maior responsabilidade, haja vista o tratamento dispensado às crianças ao longo da história da humanidade e, no recorte aqui feito, de modo particular na escola, isto é, a criança como alguém vazio, sem nenhuma experiência que pudesse contribuir com seu próprio aprendizado e dos colegas e, principalmente, com o professor. É bom pensarmos, também, que até bem pouco tempo, antes da LDB 9394/96, para se atuar numa sala de aula do Ensino Infantil e Fundamental de 1ª a 4ª série bastava ter apenas um curso técnico, Magistério.
O professor deve ser capaz de levantar dúvidas sobre seu trabalho. Não apenas ensinar bem a fazer algumas contas de Matemática ou a ler um conto. É preciso ir mais fundo, saber o que acontece com o aluno que não consegue desenvolver essa ou aquela atividade, por que aprende esse ou aquele conceito. Nesse sentido, o grande laboratório para a continuidade da formação docente será sempre sua sala de aula, com todas as suas nuanças, suas particularidades e suas especificidades. O professor deve ser, também, um grande provocador para que o aluno sinta-se curioso e estimulado a buscar novos conhecimentos, elaborar novos conceitos e rever os já cristalizados, convencionalizados pelo tempo.
Quando o professor faz isso corretamente, o aluno aprende a gerir seu estudo, dificilmente ele será alguém que só decora, porque o mestre insere nele estratégias de interrogação e busca formá-lo como um indivíduo autônomo.
Discutindo um pouco sobre alguns aspectos da leitura
Pensar em leitura no Brasil é, sem dúvida alguma, propor-se a um grande desafio. A começar pelos altos preços ainda cobrados pelos livros, pensar na grande ausência de bibliotecas nos bairros e nas próprias escolas e por aí vai. Pensar em leitura para a criança é maximizar ainda mais esse desafio já que esta depende quase que exclusivamente de um adulto para a iniciativa de ler para ou por ela, quer seja o pai ou a mãe, um professor ou bibliotecário, e assim por diante.
Os dados acima, somados aos muitos outros que não nos cabe aqui relatar, afunilam e caracterizam o baixo nível de desempenho que nossos alunos têm atingido em avaliações sejam em nível municipal, estadual ou federal e até internacional, como é o caso do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos, órgão ligado à UNESCO), em que o Brasil atingiu em 2006 a 52ª posição, num total de 57 países avaliados, ficando atrás apenas do Quirziquistão, Catar, Azerbaijão, Tunísia e Colômbia, países em condições sociais e econômicas bem mais inferiores que as de nosso País.
Um outro aspecto da leitura é que ela ocorre nas diferentes fases de nossa vida. Desde que nascemos somos “forçados a ler”. Essa leitura dá-se por meio dos diferentes sentidos: a) No olfato, quando o bebê sente o cheiro dos seios fartos para se alimentar ou, mesmo adulto, ao chegar para o almoço e consegue adivinhar o cardápio já do portão; b) Na visão, profícua leitora de gestos, paisagens, pinturas e esculturas, das letras, dos pentagramas e tudo mais; c) Na audição, na sensibilidade do choro, do grito de socorro, do ronco do motor, da sirene... d) No paladar que se inicia a procurar os vários níveis do amargo e doce, do ardido e suave, do cremoso e do crocante...; e) No tato da pele do pêssego e do figo, das rugas e calos das mãos do trabalhador, da pele d’água e tudo mais... Ou tudo isso combinado, juntos, num mix de sensações.
Pensando que há diferentes tipos de textos e leituras não podemos encará-los e nos relacionarmos com eles da mesma maneira, isto é, se temos diversidade de textos, logo, teremos diferente tipos de leitura. Para Ana Maria Kaufman:
Os textos, enquanto unidades comunicativas, manifestam diferentes intenções do emissor: procuram informar, convencer, seduzir, entreter, sugerir estados de ânimo etc., em correspondência a estas intenções, é possível categorizar os textos, levando em conta a função da linguagem que neles predomina. Kaufman (1995)
Tendo em vistas essas diferentes intencionalidades dos textos nossa relação com eles terá menos ou mais eficácia na medida em que conseguirmos perceber como se estruturam, como se propõem, como dialogam conosco. E esse processo de leitura é algo que dura a vida toda, conforme afirma Maria Helena Martins: “... o homem lê como em geral vive, num processo permanente de interação entre sensações, emoções e pensamentos”. E quais textos presentes na escola trabalham tanto com sensações, emoções e pensamentos mais do que o texto literário? Para Ricardo Azevedo:
É preciso, a meu ver, que dentro do processo educacional, ao lado das matérias oficiais, seja criado espaço para inferências mais amplas: que apresentem a existência humana na sua complexidade, como um processo subjetivo inevitavelmente contraditório (fazemos projetos futuros e sabemos que vamos morrer); mostrem que as relações com o Outro são também essencialmente contraditórias (só podemos enxergar o Outro a partir de nossa experiência e esta não consegue englobar a experiência do Outro, que é singular e única); lembrem que todos os seres humanos, independentemente de faixas etárias, são aprendizes; assinalem que é difícil, por vezes impossível, separar realidade e ficção e o que chamamos de “realidade” é uma construção sócio-cultural. (AZEVEDO, 2005)
Como vemos, estamos sempre com um pé na realidade e outro na ficção. E isso é muito mais do que necessário, é espontâneo. Precisamos da ficção para viver. Desde que existimos (é só lembrarmos dos nossos antecessores nas cavernas) pintamos e desenhamos, esculpimos, construímos artefatos para os mais diferentes fins, cantamos, dançamos, erguemos monumentos e construções, escrevemos e lemos...
Bartolomeu Campos Queirós, respeitado escritor brasileiro, em seu Manifesto por um Brasil literário, declara o seguinte:
É no mundo possível da ficção que o homem se encontra realmente livre para pensar, configurar alternativas, deixar agir a fantasia. Na literatura que, liberto do agir prático e da necessidade, o sujeito viaja por outro mundo possível. Sem preconceitos em sua construção, daí sua possibilidade intrínseca de inclusão, a literatura nos acolhe sem ignorar nossa incompletude. É o que a literatura oferece e abre a todo aquele que deseja entregar-se à fantasia. Democratiza-se assim o poder de criar, imaginar, recriar, romper o limite do provável. Sua fundação reflexiva possibilita ao leitor dobrar-se sobre si mesmo e estabelecer uma prosa entre o real e o idealizado. A leitura literária é um direito de todos e que ainda não está escrito. (QUEIRÓS, 2009).
Conforme afirmado acima, é no texto literário que teremos oportunidade de nos pronunciar, de problematizar e questionar as verdades cristalizadas e convencionadas, é o nosso “confecionário” em que podemos nos declarar sem pudor, sem receio do ridículo ou do “errado”. Aliás, o errado, o não-possível, o inusitado e não-existente têm razão de ser, de se apresentarem.
Por outro lado, de modo geral, o que vemos em nossas escolas – sejam elas particulares ou públicas – é uma quase ausência de procedimentos e ações mais direcionados e voltados para o texto estético, conforme afirma Maria Alice Faria:
Geralmente, em trabalhos com a leitura e a elaboração de textos narrativos ou poéticos, costuma-se solicitar dos alunos que produzam textos espontâneos, como se eles dominassem instintivamente todos os elementos básicos na construção de narrativas ou de poemas. Essa é uma idéia muito corrente na escola, a de acreditar que a criatividade das crianças já é suficiente para elaborar (criar) suas histórias e pequenos poemas. Mas a aquisição dessas competências passa de início pela leitura e audição de narrativas e poemas. (FARIA, 2004)
Tendo em vista o exposto, notamos que, mesmo o texto literário/estético aparecendo de forma pontual e muito tímida na sala de aula, quando é trabalhado não atende ou cumpre com as metas e/ou características intrínsecas a ele.
Somado a esta deficiência há outra, igualmente grave que precisa ser diluída ou, pelo menos, minimizada: a formação dos profissionais da educação e, mais especificamente, das unidades escolares, isto é, diretores, coordenadores pedagógicos, professores, recreacionistas etc... Ainda para Maria Alice Faria:
Daí a grande importância de o professor ter uma formação literária básica para saber analisar os livros infantis, selecionar o que pode interessar às crianças num momento dado e decidir sobre os elementos literários que sejam úteis para ampliar o conhecimento espontâneo que a criança já traz de sua pequena experiência de vida. (FARIA, 2004).
Mas como ter elementos para análise, seleção e indicação de obras literárias infantis se esta área do saber é algo razoavelmente recente, tendo sido incluída nas grades curriculares dos cursos superiores somente nas últimas duas décadas, praticamente e, por esse motivo, nossos educadores não terem tido acesso a ela? Como falar de gosto pela literatura infantil se nós mesmos, quando crianças, não lemos ou ouvimos literatura infantil, não conhecemos autores e obras? Estas e outras questões contribuíram – somado aos outros elementos já citados anteriormente – para que, dentro da Coordenadoria de Projetos de Leitura e Literatura Infantil e Juvenil da Secretaria Municipal de Educação de Araçatuba – fosse proposto um Grupo de Estudo em Leitura, tendo como eixo básico e como fio condutor a leitura de textos estéticos/literários dirigidos para crianças e adolescentes.
O Grupo de Estudo da Secretaria de Educação e seu foco de interesse
A proposta de formar um Grupo de Estudo voltado para pensar leitura e literatura infantil e juvenil, como dito antes, foi no sentido de propiciar para os professores da Rede Municipal de Araçatuba um momento de reflexão e estudo sobre essas áreas de conhecimento. Também, dentro de uma proposta maior, estimular a presença de obras de caráter estético-literárias no cotidiano escolar de nossas crianças, sob forma de convite aos educadores.
O convite deu-se na primeira reunião de Diretoras do mês de agosto deste ano e, durante um mês, foram recebidas as inscrições. De um universo de aproximadamente 600 professores da Rede Municipal, apenas cinco professoras fizeram inscrição. Em contrapartida, o que num primeiro momento não era público alvo, acabou caracterizando o grupo: a adesão de quase um terço das diretoras da Rede Municipal.
Problematizado o porquê de não abrir espaço para que também as diretoras e coordenadoras pedagógicas participassem do grupo de estudo, não vimos razão para não fazê-lo e, desde o primeiro encontro do grupo, em 09 de setembro de 2009, o Grupo de Estudo em Leitura e Literatura Infantil e Juvenil ficou constituído da seguinte forma: 23 integrantes, sendo: 14 diretoras (12 do Ensino Infantil e 2 do Ensino Fundamental I), 03 coordenadoras pedagógicas, 04 professoras, 01 supervisora de ensino e a Diretora de Educação e Ensino da Secretaria de Educação.
Esta situação trouxe duas reflexões, pelo menos, para rever a proposta:
1) Por que razão os professores da Rede Municipal não se interessaram em participar do grupo de estudo? e,
2) O que motivou as diretoras a quererem participar do referido Grupo?
Ouvindo os participantes no primeiro encontro, procuramos esclarecer tais questões. Sobre a primeira, o grupo entendeu que pelo fato de muitos professores dobrarem período e, por os encontros acontecerem somente durante as tardes e em horário de expediente, muitos ficaram prejudicados na participação. Houve ainda quem sugerisse certo descaso ou desinteresse, mesmo.
Com relação à segunda pergunta, o fato de o contato ser diretamente com as interessadas, isto é, diretoras e coordenadoras na maioria, ficou fácil determinar as razões do interesse na participação. Segundo elas, há poucas oportunidades de cursos e ações voltadas para capacitação e atualização dos gestores da Rede sendo que as que surgem são bem aproveitadas. Além disso, segundo elas, o tema foi atraente.
Estas reflexões todas são válidas e merecem nossa ponderação, entretanto, é comum observarmos na formação de nossos educadores de modo geral a perspectiva e a sensação de que o curso da graduação é suficiente para a formação e atuação em sala de aula. A título de exemplo podemos mencionar o grande número de professores inscritos nos cursos de graduação do País logo imediatamente à aprovação da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB 9394/96. Isto porque a referida Lei determinava que todos os professores que não tivessem um curso superior teriam um prazo de dez anos, a partir da aprovação da Lei, para que cursassem um, sob risco de perderem seus cargos caso não o fizessem, o chamado “decênio” da LDB.
Sobre isso, Freire (1996) afirma que: “É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem é que se pode melhorar a próxima prática”. Também, retomando o relatório para UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, Educação, um tesouro a descobrir, no seu quarto capítulo sobre os pilares da educação, o “Aprender a conhecer” deve ser algo constante no cotidiano de qualquer área do conhecimento, sendo a Educação uma delas:
Esse tipo de aprendizagem que visa não tanto a aquisição de um repertório de saberes codificados, mas antes o domínio dos próprios instrumentos do conhecimento por ser considerado, simultaneamente, como um meio e como uma finalidade da vida humana. Meio, porque se pretende que cada um aprenda a compreender o mundo que o rodeia, pelo menos na medida em que isso lhe é necessário para viver dignamente, para desenvolver as suas capacidades profissionais, para comunicar. Finalidade, porque seu fundamento é o prazer de compreender, de conhecer, de descobrir. (UNESCO, 1997).
Como observamos, pensar numa educação continuada é, principalmente, pensar numa melhor qualidade de vida, numa relação com o mundo de forma mais eficaz e dinâmica, é extrair o que há de melhor nas relações sociais, é contribuir para um pensamento crítico e reflexivo mais apurado, ou pelo simples fato de absorver o saber com sabor, pela satisfação em conhecer o novo, em ter contato com descobertas nas várias relações com o mundo.
CONCLUSÃO
Tendo em vista as considerações levantadas anteriormente e, ainda, questões que ficam em aberto com relação à formação do professor, os meios, oportunidades e condições propiciadas para que esse profissional possa colocar em prática a Formação Continuada e traga à consciência sobre a importância de colocar sua prática pedagógica nesse processo contínuo em busca da construção do saber, o que significa a constituição de uma conduta de vida profissional; sobre a importância dessa mudança na prática pedagógica e na implicação da releitura da função do professor como profissional reflexivo e da escola em conhecer o novo, em ter contato com descobertas nas várias relações como organização promotora do desenvolvimento do processo educativo, entre outras questões que não cabem ser discutidas nesse momento, é preciso dar-se conta de que esse processo de constante atualização e levantamento de novas questões educacionais para busca de soluções para velhos problemas presentes na escola e até fora dela relacionados à Educação além de necessário é imprescindível para uma sociedade mais justa, igualitária, democrática e oportunizadora. Para formação de cidadãos atuantes como sujeitos e não apenas como indivíduos. Cremos, nesse sentido, que as reflexões trazidas pelo Grupo de Estudo da Secretaria da Educação de Araçatuba nos campos da Leitura e Literatura Infantil contribuem para atingir esses objetivos.
BIBLIOGRAFIA
• AZEVEDO, Ricardo. Aspectos instigantes da literatura infantil e juvenil, site do autor www.ricardoazevedo.com.br, 2005.
• DELORS, Jacques. Trad. José Carlos Eufrázio. Um tesouro a descobrir - relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. CORTEZ. UNESCO. MEC. Ministério da Educação. São Paulo: Cortez, 1997.
• FARIA, Maria Alice. Como usar a literatura infantil na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2004.
• FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
• MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1982.
• NÓVOA, Antonio. (coord). Os professores e sua formação. Lisboa-Portugal, Dom Quixote, 1997.
• QUEIRÓS, Bartolomeu Campos. Manifesto por um Brasil literário. www.brasilliterario.com.br, 2009.
• KAUFMAN, Ana Maria e RODRIGUEZ, Maria Helena. Escola – leitura e produção de texto. Porto Alegre: ArtMed, 1995.
A PRESENÇA DE SARAUS DE POESIA NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE ARAÇATUBA COMO FORMA DE RESGATE DA ORALIDADE LITERÁRIA
Antonio Luceni dos Santos (SME/Araçatuba-SP)
RESUMO
É notória, nos últimos anos, a preocupação entre gestores e educadores em desenvolver um trabalho que trate o texto literário como algo importante e enriquecedor na formação das crianças, como de fato o é. Entretanto, na observação que temos feito da prática pedagógica de nossos colegas professores, o trabalho ainda é muito centrado na leitura e/ou na escuta de textos. A presença da oralidade é pouco explorada e, por vezes, relegada por várias questões, entre as quais porque a criança ainda “não sabe” ler direito, “não conhece” aspectos de entonação, expressividade etc... Contar histórias e declamar textos é algo tão antigo quanto a própria história da humanidade. Na Grécia antiga “era declamada por profissionais da palavra, narradores de feitos bélicos do passado...”, conforme mostra Regina Zilberman no livro Literatura e Pedagogia – ponto e contraponto, Global. Dar voz ao texto estético por meio das crianças e adolescentes é também contribuir para o engajamento destes no texto literário, é favorecer a multiplicidade de expressões e contribuir para que os vários “fôlegos”, por assim dizer – tal qual no mito bíblico do gênesis ou no “Nascimento de Vênus” de Botticelli – deem vida ao texto literário na escola, assim como acontece fora dela.
Palavras-chave: oralidade, escola, leitura, literatura infantil.
1 INTRODUÇÃO
A criança, mesmo antes de entrar na escola, faz uso de diferentes situações comunicativas, entre as quais, a oralidade. Sobretudo as crianças menores que ainda não passaram pelo processo de alfabetização têm no recurso oral o mais poderoso instrumento de comunicação.
Conforme afirma o Referencial de Ensino para a Educação Infantil (volume 3) “A linguagem oral está presente e na prática das instituições de educação infantil à medida que todos que dela participam: crianças e adultos, falam, se comunicam entre si, expressando sentimentos e ideias.” (REEI/MEC; 1998: 119). Ora, se há necessidade de haver interação entre os vários participantes desse processo comunicativo, colocar as crianças apenas como meros escutadores do processo de leitura é, por assim dizer, tirar-lhes a vez e a voz. Em contrapartida, oportunizar situações em que as crianças possam se expressar oralmente dizendo o que pensam a respeito deste ou daquele assunto, que tragam as experiências vividas dentro e fora da escola, que intercambiem entre si vivências sobre este ou aquele aspecto ou tema do seu cotidiano é favorecer-lhes o engajamento nas mais diferentes situações vividas.
Sobre esse diálogo com o texto, afirma Angela Kleiman: “o aluno poderá tornar-se ciente da necessidade de fazer da leitura uma atividade caracterizada pelo engajamento e uso do conhecimento, em vez de uma mera recepção passiva. Recipientes não compreendem.” (KLEIMAN; 1999: 26).
Conforme vemos, há que se manter uma relação direta e ativa com o texto (seja ele oral ou escrito) de forma que, a partir desse diálogo entre leitor-texto, haja o que nós chamamos de leitura.
Percebida a importância da presença da oralidade nos espaços por onde circulam a infância e pensando também num encaminhamento sobre as possíveis discussões e temas propostos para estimular a oralidade entre nossas crianças, propomos o texto estético/literário como elemento fomentador e desencadeador dessas discussões. Por quê? Para tentarmos uma resposta para esta pergunta fazemos uso do pensamento de Ronaldo Lima Lins, quando diz:
A diferença entre a literatura e qualquer outra atividade (porque não se pode dizer, de modo algum, ser ela a única forma de resistir à angústia da existência) é que, ao contrário das demais, que constituem respostas ou reflexos, como a ação, à necessidade de transformar o mundo, a literatura reflete a vida e reflete sobre a vida. Possui, por isso, uma vantagem sobre os demais recursos, na medida em que, por intermédio dela, torna-se possível acompanhar, ao longo do tempo, os diferentes níveis de angústia, numa confrontação que ora se acentua, ora se atenua, mas nunca desaparece na espinha dorsal de cada obra. (LINS; 1980: PP. 9 – 10).
Como vemos, tanto a presença da oralidade quanto a da literatura são elementos que, se não resolvem, contribuem em muito para formação intelectual, para ampliação de repertório e trânsito social, para o intercâmbio de ideias e pensamentos, para proposição do (re)olhar o mundo sempre como algo novo e, por isso mesmo, como uma novidade a ser apre(e)ndida.
Nos próximos tópicos discutiremos mais sobre a importância da presença da oralidade e da literatura como um dos desafios propostos ao professor de hoje no desenvolvimento da competência linguística dos alunos. E, também, relato de uma experiência prática de uma das escolas municipais da Rede Municipal de Ensino de Araçatuba com Saraus de Poesia e a presença da oralidade estética.
2 A ORALIDADE FORA DA ESCOLA
Uma das primeiras situações de uso da fala de qualquer pessoa é em seu contexto familiar. É comum a criança ainda na fase de aquisição da linguagem oral (re)conhecer tudo que está à sua volta por meio da nomeação do que lhe está ao entorno. Sendo assim, falar, desde cedo, significa relacionar-se de forma ativa com o mundo. Quando a criança, ainda bebê, descobre isso – pedir água, dizer que está com fome, solicitar passeio e tudo mais – passa a ser entendido como algo relacionado à sua própria condição de viver. Num processo paulatino essa comunicação vai sendo ampliada e cada vez mais elaborada, a fala passa a ser instrumento da relação entre a criança e sua família e os diferentes meios em que vive.
Conforme expresso no Parâmetro Curricular Nacional de Língua Portuguesa:
O domínio da língua tem estreita relação com a possibilidade de plena participação social, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo, produz conhecimento. Assim, um projeto educativo comprometido com a democratização social e cultural atribui à escola a função e a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes linguísticos necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de todos. (PCN/MEC; 2001: 23).
Se entendemos como importantes as proposições descritas acima. Se entendemos como lícito não negar o direito e o acesso a tão importantes instrumentos sociais – fala e conhecimento literário, repertório de mundo. Se entendemos que formar e transformar fazem parte de nossa atuação como educadores, então devemos considerar imprescindíveis tais ações e acontecimentos também dentro da escola.
3 A ORALIDADE NO CONTEXTO ESCOLAR
Iniciaremos este tópico retomando o Referencial de Ensino para a Educação Infantil (volume 3), quando diz:
O trabalho com a linguagem oral, nas instituições de educação infantil, tem se restringido a algumas atividades, entre elas a rodas de conversa. Apesar de serem organizadas com a intenção de desenvolver a conversa, se caracterizam, em geral, por um monólogo com o professor, no qual as crianças são chamadas a responder em coro a uma única pergunta dirigida a todos, ou cada um por sua vez, em uma ação totalmente centrada no adulto. (REE/MEC; 1998: 119).
Mesmo passados mais de dez anos da publicação do documento citado acima, a realidade apresentada por ele quanto a participação e envolvimento das crianças nas atividades que relacionam a oralidade em nossas escolas brasileiras ainda é muito distante do que gostaríamos pensar como ideal.
No mesmo documento podemos ver apontadas diferentes contribuições trazidas pela presença da oralidade desde cedo no contexto escolar, entre as quais o fato de possibilitar a comunicação “de ideias, pensamentos e intenções de diversas naturezas, influenciar o outro e estabelecer relações interpessoais. (...) É por meio do diálogo que a comunicação acontece.” (REE/MEC; 1998: 120).
A escola constitui-se para criança num novo espaço de comunicação e inter-relação em que também a oralidade deverá ser revista para atender a esse novo contexto e a esses novos personagens. A promoção de atividades que mostrem a leitura para a manifestação do pensamento pela oralidade em poemas, contos, causos e outros... certamente contribuirão para que as metas e objetivos ressaltados anteriormente sejam efetivados.
Ciente da importância do papel da escola na contribuição desse falante e da efetiva e positiva comunicação como instrumento social, a Prefeitura Municipal de Araçatuba, por meio da Secretaria Municipal da Educação, dedicou em seu Projeto Político Pedagógico Instituicional – PPPI 2009 – 2012 parte de um capítulo denominado Considerações sobre a relevância da Literatura – as intenções de construção de uma “Cidade Leitora” e, entre as várias ações propostas para atingir a tal fim: presença de contadores de histórias nas escolas municipais; salas mágicas; saraus de poesia etc...
4 A ORALIDADE E O TEXTO ESTÉTICO/LITERÁRIO
No ano passado foi lançado na Festa Literária Internacional de Paraty – FLIP, no Rio de Janeiro, o Manifesto por um Brasil literário, documento este encabeçado pelo escritor Bartolomeu Campos de Queirós que trata sobre a importância da presença da literatura “em todos os espaços por onde circula a infância” (QUEIRÓS; 2009: p. 01). Um documento muito rico e que vale a pena ser lido. Entre as muitas questões e reflexões trazidas pelo seu propositor gostaríamos de destacar a seguinte referência:
Liberdade, espontaneidade, afetividade e fantasia são elementos que fundam a infância. Tais substâncias são também pertinentes à construção literária. Daí, a literatura ser próxima da criança. Possibilitar aos mais jovens acesso ao texto literário é garantir a presença de tais elementos – que inauguram a vida – como essenciais para o seu crescimento. Nesse sentido é indispensável a presença da literatura em todos os espaços por onde circula a infância. Todas as atividades que têm a literatura como objeto central serão promovidas para fazer do País uma sociedade leitora. O apoio de todos que assim compreendem a função literária, a proposição e indispensável. (QUEIRÓS; 2009: p. 01).
Como vemos, a ligação entre literatura e a criança é algo inevitável – ainda bem! Os pequenos têm interesse pela literatura, assim como os adultos, porque esta funciona como uma espécie de “divã” em que inquietações são acalmadas e outras geradas, angústias aplainadas e outras criadas, sonhos encontrados e outros desencantados, respostas e perguntas convivendo em harmonia, onde real e fantasia são dois lados da mesma moeda. Onde possível e impossível são primas-irmãs, onde a fantasia ganha forma – porque já de forma invisível e quieta convive com todos nós.
Possibilitar o encontro entre a criança e a literatura e fazê-la externar essa relação com o livro ou qualquer outro suporte também por meio da oralidade é possibilitar a pluralidade de vozes, de verdades, de propostas, de opções de vida, de viver...
5 RELATO DE EXPERIÊNCIA COM SARAUS DE POESIA DA ESCOLA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO BÁSICA (EMEB) ANA DOS SANTOS BARROS – ARAÇATUBA/SP
Existem na Rede Municipal de Ensino de Araçatuba diferentes ações que contribuem para a exploração da oralidade por parte de nossos crianças, entre as quais podemos citar o trabalho com coral infantil da EMEB Prof. José Machado Neto, o trabalho com teatro a partir de oficinas literárias com os alunos da EMEB Fausto Perri, o trabalho com contos de fadas com as crianças da EMEB Enoy Chaves da Costa Leone, todos eles já com alguns anos de ocorrência, só para mencionar algumas entre tantas outras ações que acontecem de forma recorrente e cotidiana, mas por vezes tímidas ou até mesmo anônimas.
Gostaríamos, entretanto, de relatar a experiência com Saraus de Poesia desenvolvida na EMEB Profª Anna dos Santos Barros desde o ano de 2003 por associar o texto estético/literário e o desenvolvimento da linguagem oral como forma de aproximar as crianças da literatura/poesia, democratizando, inclusive, a demonstração das várias oportunidades de comunicação (pessoal, coletiva, escrita, oral, gestual, visual etc.).
Segundo a coordenadora da escola, Edislene Zidioti Ferreira, o projeto nasceu da necessidade de propiciar às crianças o acesso ao texto literário e, por meio dele, estimular o gosto pela leitura e produção de textos. Pelo fato de muitas crianças, sobretudo as menores – já que o projeto envolve todas as séries existentes na escola (1ª a 4ª), mas também crianças na 3ª ou 4ª série com dificuldades para ler e escrever ou mesmo semiletradas, o trabalho com saraus possibilitou a essas crianças a valorização de si mesmas enquanto produtores de textos orais e serviu (e ainda serve, porque o projeto continua) para democratizar e inseri-las no contexto escolar que, antes do projeto, era meio marginalizado, isto é, deixava a criança que não tinha o domínio da escrita à margem do percurso educativo, passando a colocá-la também como sujeito, protagonista, como agente ativo e colaborador do grupo.
Nesses sete anos de existência do Sarau de Poesias o projeto sofreu diferentes alterações. O que inicialmente somente envolvia os alunos da escola num ou noutro momento do ano, passou a acontecer durante todo o ano, com diferentes momentos e oficinas de criação, com presença de poetas locais para palestras e workshops com as crianças e professores, com a intervenção e presença das famílias da comunidade em algumas etapas, com o intercâmbio entre salas e séries da própria escola e entre a referida EMEB e escolas particulares da cidade, na eleição de um poeta específico num determinado ano e proposta de antologia em outro e assim por diante.
Os resultados não poderiam ser melhores. O envolvimento das turmas com a palavra encantada, a brincadeira com ritmos e sonoridades, com temas diversos, o querer falar, o querer partilhar de experiências, de histórias de vida, a ampliação de repertório, a “publicação” de livros de poemas, a autovalorização e a descoberta de novas aptidões fazem parte dos testemunhos e verificações detectadas nos vários momentos e edições do projeto.
O trabalho se inscreve, portanto, como proposta de beneficiar o aluno. A criança percebendo-se inserida em um contexto de respeito e carinho, de valorização e de oportunidades, consegue desenvolver sua capacidade de pensar e agir de forma muito mais eficaz e constante. Até mesmo as mais tímidas conseguem se libertar do estigma da introspecção, muitas vezes criado dentro do seu núcleo familiar.
“Essas diferentes dimensões da linguagem não se excluem: não é possível dizer algo a alguém sem ter o que dizer. E ter o que dizer, por sua vez, só é possível a partir das representações construídas sobre o mundo” (PCN/MEC; 2001: 24), alerta-nos o documento. E quanta coisa interessante há para aprender no texto literário, na poesia. E quanta coisa interessante também há para se falar depois que lemos poesia. Quanta coisa importante podemos descobrir quando lemos poesia. Quantas reflexões importantes podemos propor ao declamarmos poesia...
6 CONCLUSÃO
Como pudemos observar ao longo deste artigo o trabalho com a linguagem oral é ao mesmo tempo urgente e importante e, talvez, na mesma proporção, infelizmente, distante no trabalho desenvolvido em nossas escolas.
De igual modo, a presença do texto literário – apesar de já, nas últimas décadas ter sido expandida nas escolas brasileiras por diferentes ações governamentais e técnicas, pela reformulação de grades curriculares nas graduações etc – ainda é algo tímido e por vezes mecânico, sem um trabalho que de fato dialogue com o texto literário de forma enriquecedora e propositora.
Pensar num trabalho que provoque o encontro entre a linguagem oral e a literatura/poesia é antes de tudo propiciar momentos para que a criança – ou qualquer outra pessoa – se reconheça como alguém capaz, como sujeito do mundo, participador e participante e não somente como expectador.
Concluímos este artigo com os versos de Ferreira Gullar. Entendemos que eles ilustram na prática alguns dos conceitos discutidos antes: “O poeta se aproxima da criança,/ que vê o mundo com olhos virgens e que,/ por quase nada saber, está aberta ao ministério/ das coisas. Para criança – como para o/ poeta – viver é uma incessante descoberta da vida”.
7 REFERÊNCIAS
ARAÇATUBA. PMA, Secretaria Municipal de Educação. Projeto político pedagógico institucional – PPPI. Araçatuba, 2009 - 2012. 153p.
BRASIL. MEC, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais (ensino fundamental). Língua Portuguesa. Brasília, 2001. 144p.
BRASIL. MEC, Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para educação infantil: volume 3. Brasília, 1998. 270p.
GULLAR, Ferreira. O prazer de ler, in: MURRAY, Roseana (org.). Bailarina e outros poemas. v. 1. São Paulo: FTD, 2001.
KLEIMAN, Angela. Texto e leitor – aspectos cognitivos da leitura. 12. ed. São Paulo: Pontes, 2009.
LINS, Ronaldo Lima. A violência na literatura. Tempo Brasileiro, nº 58, 1980.
QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. Manifesto por um Brasil literário, in: www.brasilliterario.org.br, 2009.
RESUMO
É notória, nos últimos anos, a preocupação entre gestores e educadores em desenvolver um trabalho que trate o texto literário como algo importante e enriquecedor na formação das crianças, como de fato o é. Entretanto, na observação que temos feito da prática pedagógica de nossos colegas professores, o trabalho ainda é muito centrado na leitura e/ou na escuta de textos. A presença da oralidade é pouco explorada e, por vezes, relegada por várias questões, entre as quais porque a criança ainda “não sabe” ler direito, “não conhece” aspectos de entonação, expressividade etc... Contar histórias e declamar textos é algo tão antigo quanto a própria história da humanidade. Na Grécia antiga “era declamada por profissionais da palavra, narradores de feitos bélicos do passado...”, conforme mostra Regina Zilberman no livro Literatura e Pedagogia – ponto e contraponto, Global. Dar voz ao texto estético por meio das crianças e adolescentes é também contribuir para o engajamento destes no texto literário, é favorecer a multiplicidade de expressões e contribuir para que os vários “fôlegos”, por assim dizer – tal qual no mito bíblico do gênesis ou no “Nascimento de Vênus” de Botticelli – deem vida ao texto literário na escola, assim como acontece fora dela.
Palavras-chave: oralidade, escola, leitura, literatura infantil.
1 INTRODUÇÃO
A criança, mesmo antes de entrar na escola, faz uso de diferentes situações comunicativas, entre as quais, a oralidade. Sobretudo as crianças menores que ainda não passaram pelo processo de alfabetização têm no recurso oral o mais poderoso instrumento de comunicação.
Conforme afirma o Referencial de Ensino para a Educação Infantil (volume 3) “A linguagem oral está presente e na prática das instituições de educação infantil à medida que todos que dela participam: crianças e adultos, falam, se comunicam entre si, expressando sentimentos e ideias.” (REEI/MEC; 1998: 119). Ora, se há necessidade de haver interação entre os vários participantes desse processo comunicativo, colocar as crianças apenas como meros escutadores do processo de leitura é, por assim dizer, tirar-lhes a vez e a voz. Em contrapartida, oportunizar situações em que as crianças possam se expressar oralmente dizendo o que pensam a respeito deste ou daquele assunto, que tragam as experiências vividas dentro e fora da escola, que intercambiem entre si vivências sobre este ou aquele aspecto ou tema do seu cotidiano é favorecer-lhes o engajamento nas mais diferentes situações vividas.
Sobre esse diálogo com o texto, afirma Angela Kleiman: “o aluno poderá tornar-se ciente da necessidade de fazer da leitura uma atividade caracterizada pelo engajamento e uso do conhecimento, em vez de uma mera recepção passiva. Recipientes não compreendem.” (KLEIMAN; 1999: 26).
Conforme vemos, há que se manter uma relação direta e ativa com o texto (seja ele oral ou escrito) de forma que, a partir desse diálogo entre leitor-texto, haja o que nós chamamos de leitura.
Percebida a importância da presença da oralidade nos espaços por onde circulam a infância e pensando também num encaminhamento sobre as possíveis discussões e temas propostos para estimular a oralidade entre nossas crianças, propomos o texto estético/literário como elemento fomentador e desencadeador dessas discussões. Por quê? Para tentarmos uma resposta para esta pergunta fazemos uso do pensamento de Ronaldo Lima Lins, quando diz:
A diferença entre a literatura e qualquer outra atividade (porque não se pode dizer, de modo algum, ser ela a única forma de resistir à angústia da existência) é que, ao contrário das demais, que constituem respostas ou reflexos, como a ação, à necessidade de transformar o mundo, a literatura reflete a vida e reflete sobre a vida. Possui, por isso, uma vantagem sobre os demais recursos, na medida em que, por intermédio dela, torna-se possível acompanhar, ao longo do tempo, os diferentes níveis de angústia, numa confrontação que ora se acentua, ora se atenua, mas nunca desaparece na espinha dorsal de cada obra. (LINS; 1980: PP. 9 – 10).
Como vemos, tanto a presença da oralidade quanto a da literatura são elementos que, se não resolvem, contribuem em muito para formação intelectual, para ampliação de repertório e trânsito social, para o intercâmbio de ideias e pensamentos, para proposição do (re)olhar o mundo sempre como algo novo e, por isso mesmo, como uma novidade a ser apre(e)ndida.
Nos próximos tópicos discutiremos mais sobre a importância da presença da oralidade e da literatura como um dos desafios propostos ao professor de hoje no desenvolvimento da competência linguística dos alunos. E, também, relato de uma experiência prática de uma das escolas municipais da Rede Municipal de Ensino de Araçatuba com Saraus de Poesia e a presença da oralidade estética.
2 A ORALIDADE FORA DA ESCOLA
Uma das primeiras situações de uso da fala de qualquer pessoa é em seu contexto familiar. É comum a criança ainda na fase de aquisição da linguagem oral (re)conhecer tudo que está à sua volta por meio da nomeação do que lhe está ao entorno. Sendo assim, falar, desde cedo, significa relacionar-se de forma ativa com o mundo. Quando a criança, ainda bebê, descobre isso – pedir água, dizer que está com fome, solicitar passeio e tudo mais – passa a ser entendido como algo relacionado à sua própria condição de viver. Num processo paulatino essa comunicação vai sendo ampliada e cada vez mais elaborada, a fala passa a ser instrumento da relação entre a criança e sua família e os diferentes meios em que vive.
Conforme expresso no Parâmetro Curricular Nacional de Língua Portuguesa:
O domínio da língua tem estreita relação com a possibilidade de plena participação social, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo, produz conhecimento. Assim, um projeto educativo comprometido com a democratização social e cultural atribui à escola a função e a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes linguísticos necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de todos. (PCN/MEC; 2001: 23).
Se entendemos como importantes as proposições descritas acima. Se entendemos como lícito não negar o direito e o acesso a tão importantes instrumentos sociais – fala e conhecimento literário, repertório de mundo. Se entendemos que formar e transformar fazem parte de nossa atuação como educadores, então devemos considerar imprescindíveis tais ações e acontecimentos também dentro da escola.
3 A ORALIDADE NO CONTEXTO ESCOLAR
Iniciaremos este tópico retomando o Referencial de Ensino para a Educação Infantil (volume 3), quando diz:
O trabalho com a linguagem oral, nas instituições de educação infantil, tem se restringido a algumas atividades, entre elas a rodas de conversa. Apesar de serem organizadas com a intenção de desenvolver a conversa, se caracterizam, em geral, por um monólogo com o professor, no qual as crianças são chamadas a responder em coro a uma única pergunta dirigida a todos, ou cada um por sua vez, em uma ação totalmente centrada no adulto. (REE/MEC; 1998: 119).
Mesmo passados mais de dez anos da publicação do documento citado acima, a realidade apresentada por ele quanto a participação e envolvimento das crianças nas atividades que relacionam a oralidade em nossas escolas brasileiras ainda é muito distante do que gostaríamos pensar como ideal.
No mesmo documento podemos ver apontadas diferentes contribuições trazidas pela presença da oralidade desde cedo no contexto escolar, entre as quais o fato de possibilitar a comunicação “de ideias, pensamentos e intenções de diversas naturezas, influenciar o outro e estabelecer relações interpessoais. (...) É por meio do diálogo que a comunicação acontece.” (REE/MEC; 1998: 120).
A escola constitui-se para criança num novo espaço de comunicação e inter-relação em que também a oralidade deverá ser revista para atender a esse novo contexto e a esses novos personagens. A promoção de atividades que mostrem a leitura para a manifestação do pensamento pela oralidade em poemas, contos, causos e outros... certamente contribuirão para que as metas e objetivos ressaltados anteriormente sejam efetivados.
Ciente da importância do papel da escola na contribuição desse falante e da efetiva e positiva comunicação como instrumento social, a Prefeitura Municipal de Araçatuba, por meio da Secretaria Municipal da Educação, dedicou em seu Projeto Político Pedagógico Instituicional – PPPI 2009 – 2012 parte de um capítulo denominado Considerações sobre a relevância da Literatura – as intenções de construção de uma “Cidade Leitora” e, entre as várias ações propostas para atingir a tal fim: presença de contadores de histórias nas escolas municipais; salas mágicas; saraus de poesia etc...
4 A ORALIDADE E O TEXTO ESTÉTICO/LITERÁRIO
No ano passado foi lançado na Festa Literária Internacional de Paraty – FLIP, no Rio de Janeiro, o Manifesto por um Brasil literário, documento este encabeçado pelo escritor Bartolomeu Campos de Queirós que trata sobre a importância da presença da literatura “em todos os espaços por onde circula a infância” (QUEIRÓS; 2009: p. 01). Um documento muito rico e que vale a pena ser lido. Entre as muitas questões e reflexões trazidas pelo seu propositor gostaríamos de destacar a seguinte referência:
Liberdade, espontaneidade, afetividade e fantasia são elementos que fundam a infância. Tais substâncias são também pertinentes à construção literária. Daí, a literatura ser próxima da criança. Possibilitar aos mais jovens acesso ao texto literário é garantir a presença de tais elementos – que inauguram a vida – como essenciais para o seu crescimento. Nesse sentido é indispensável a presença da literatura em todos os espaços por onde circula a infância. Todas as atividades que têm a literatura como objeto central serão promovidas para fazer do País uma sociedade leitora. O apoio de todos que assim compreendem a função literária, a proposição e indispensável. (QUEIRÓS; 2009: p. 01).
Como vemos, a ligação entre literatura e a criança é algo inevitável – ainda bem! Os pequenos têm interesse pela literatura, assim como os adultos, porque esta funciona como uma espécie de “divã” em que inquietações são acalmadas e outras geradas, angústias aplainadas e outras criadas, sonhos encontrados e outros desencantados, respostas e perguntas convivendo em harmonia, onde real e fantasia são dois lados da mesma moeda. Onde possível e impossível são primas-irmãs, onde a fantasia ganha forma – porque já de forma invisível e quieta convive com todos nós.
Possibilitar o encontro entre a criança e a literatura e fazê-la externar essa relação com o livro ou qualquer outro suporte também por meio da oralidade é possibilitar a pluralidade de vozes, de verdades, de propostas, de opções de vida, de viver...
5 RELATO DE EXPERIÊNCIA COM SARAUS DE POESIA DA ESCOLA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO BÁSICA (EMEB) ANA DOS SANTOS BARROS – ARAÇATUBA/SP
Existem na Rede Municipal de Ensino de Araçatuba diferentes ações que contribuem para a exploração da oralidade por parte de nossos crianças, entre as quais podemos citar o trabalho com coral infantil da EMEB Prof. José Machado Neto, o trabalho com teatro a partir de oficinas literárias com os alunos da EMEB Fausto Perri, o trabalho com contos de fadas com as crianças da EMEB Enoy Chaves da Costa Leone, todos eles já com alguns anos de ocorrência, só para mencionar algumas entre tantas outras ações que acontecem de forma recorrente e cotidiana, mas por vezes tímidas ou até mesmo anônimas.
Gostaríamos, entretanto, de relatar a experiência com Saraus de Poesia desenvolvida na EMEB Profª Anna dos Santos Barros desde o ano de 2003 por associar o texto estético/literário e o desenvolvimento da linguagem oral como forma de aproximar as crianças da literatura/poesia, democratizando, inclusive, a demonstração das várias oportunidades de comunicação (pessoal, coletiva, escrita, oral, gestual, visual etc.).
Segundo a coordenadora da escola, Edislene Zidioti Ferreira, o projeto nasceu da necessidade de propiciar às crianças o acesso ao texto literário e, por meio dele, estimular o gosto pela leitura e produção de textos. Pelo fato de muitas crianças, sobretudo as menores – já que o projeto envolve todas as séries existentes na escola (1ª a 4ª), mas também crianças na 3ª ou 4ª série com dificuldades para ler e escrever ou mesmo semiletradas, o trabalho com saraus possibilitou a essas crianças a valorização de si mesmas enquanto produtores de textos orais e serviu (e ainda serve, porque o projeto continua) para democratizar e inseri-las no contexto escolar que, antes do projeto, era meio marginalizado, isto é, deixava a criança que não tinha o domínio da escrita à margem do percurso educativo, passando a colocá-la também como sujeito, protagonista, como agente ativo e colaborador do grupo.
Nesses sete anos de existência do Sarau de Poesias o projeto sofreu diferentes alterações. O que inicialmente somente envolvia os alunos da escola num ou noutro momento do ano, passou a acontecer durante todo o ano, com diferentes momentos e oficinas de criação, com presença de poetas locais para palestras e workshops com as crianças e professores, com a intervenção e presença das famílias da comunidade em algumas etapas, com o intercâmbio entre salas e séries da própria escola e entre a referida EMEB e escolas particulares da cidade, na eleição de um poeta específico num determinado ano e proposta de antologia em outro e assim por diante.
Os resultados não poderiam ser melhores. O envolvimento das turmas com a palavra encantada, a brincadeira com ritmos e sonoridades, com temas diversos, o querer falar, o querer partilhar de experiências, de histórias de vida, a ampliação de repertório, a “publicação” de livros de poemas, a autovalorização e a descoberta de novas aptidões fazem parte dos testemunhos e verificações detectadas nos vários momentos e edições do projeto.
O trabalho se inscreve, portanto, como proposta de beneficiar o aluno. A criança percebendo-se inserida em um contexto de respeito e carinho, de valorização e de oportunidades, consegue desenvolver sua capacidade de pensar e agir de forma muito mais eficaz e constante. Até mesmo as mais tímidas conseguem se libertar do estigma da introspecção, muitas vezes criado dentro do seu núcleo familiar.
“Essas diferentes dimensões da linguagem não se excluem: não é possível dizer algo a alguém sem ter o que dizer. E ter o que dizer, por sua vez, só é possível a partir das representações construídas sobre o mundo” (PCN/MEC; 2001: 24), alerta-nos o documento. E quanta coisa interessante há para aprender no texto literário, na poesia. E quanta coisa interessante também há para se falar depois que lemos poesia. Quanta coisa importante podemos descobrir quando lemos poesia. Quantas reflexões importantes podemos propor ao declamarmos poesia...
6 CONCLUSÃO
Como pudemos observar ao longo deste artigo o trabalho com a linguagem oral é ao mesmo tempo urgente e importante e, talvez, na mesma proporção, infelizmente, distante no trabalho desenvolvido em nossas escolas.
De igual modo, a presença do texto literário – apesar de já, nas últimas décadas ter sido expandida nas escolas brasileiras por diferentes ações governamentais e técnicas, pela reformulação de grades curriculares nas graduações etc – ainda é algo tímido e por vezes mecânico, sem um trabalho que de fato dialogue com o texto literário de forma enriquecedora e propositora.
Pensar num trabalho que provoque o encontro entre a linguagem oral e a literatura/poesia é antes de tudo propiciar momentos para que a criança – ou qualquer outra pessoa – se reconheça como alguém capaz, como sujeito do mundo, participador e participante e não somente como expectador.
Concluímos este artigo com os versos de Ferreira Gullar. Entendemos que eles ilustram na prática alguns dos conceitos discutidos antes: “O poeta se aproxima da criança,/ que vê o mundo com olhos virgens e que,/ por quase nada saber, está aberta ao ministério/ das coisas. Para criança – como para o/ poeta – viver é uma incessante descoberta da vida”.
7 REFERÊNCIAS
ARAÇATUBA. PMA, Secretaria Municipal de Educação. Projeto político pedagógico institucional – PPPI. Araçatuba, 2009 - 2012. 153p.
BRASIL. MEC, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais (ensino fundamental). Língua Portuguesa. Brasília, 2001. 144p.
BRASIL. MEC, Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para educação infantil: volume 3. Brasília, 1998. 270p.
GULLAR, Ferreira. O prazer de ler, in: MURRAY, Roseana (org.). Bailarina e outros poemas. v. 1. São Paulo: FTD, 2001.
KLEIMAN, Angela. Texto e leitor – aspectos cognitivos da leitura. 12. ed. São Paulo: Pontes, 2009.
LINS, Ronaldo Lima. A violência na literatura. Tempo Brasileiro, nº 58, 1980.
QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. Manifesto por um Brasil literário, in: www.brasilliterario.org.br, 2009.
II Congresso Internacional de Leitura e Literatura Infantil e Juvenil
Recentemente partipei, representando Araçatuba, por meio da Secretaria Municipal da Educação, do II Congresso Internacional de Leitura e Literatura Infantil e Juvenil, ocorrido na Pontifícia Universidade Católica - PUC de Porto Alegre/RS.
Na ocasião, foi proferida palestra do Prof. Emmanuel Fresse da Sorbone, Paris/FR. (na foto ao lado, comigo). O tema geral foi "A literatura e a tecnologia: leitores plurais ou pós-leitores?". Entre as muitas atividades ocorridas no referido congresso, tivemos: várias mesas de debate, grupos de trabalho e apresentações de comunicações e simpósios, tutoriais e um curso paralelo ministrado pelo Prof. Fresse a um grupo restrito a quinze participantes, dentre os quais fui um deles.
Foi realmente muito rico o encontro, as várias discussões e contatos feitos, as várias experiências trazidas dos 08 países presentes no congresso, além das experiêncais deixadas por profissionais de várias partes do Brasil.
Tive também o privilégio de conhecer o contador de histórias e encantador de pessoas, Francisco Gregório Filho. Uma figura carismática que por onde passa deixa seu rastro de carismo, de histórias, de vivências mil com o texto literário e a própria vida.
II Congresso Internacional de Leitura e Literatura Infantil e Juvenil
Recentemente participei do II Congresso Internacional de Leitura e Literatura Infantil e Juvenil ocorrido em Porto Alegre/RS.
Na ocasião, tivemos oportunidade de ouvir as importantes e significativas do Prof. Emmanuel Fresse, da Sorbone, Paris/FR que tratou da
Na ocasião, tivemos oportunidade de ouvir as importantes e significativas do Prof. Emmanuel Fresse, da Sorbone, Paris/FR que tratou da
sábado, 12 de junho de 2010
Seminário PNBE
Nos dias 7, 8 e 9 de junho estive em Brasília/DF participando do I Seminário do Plano Nacional Biblioteca Escolar - PNBE. Estiveram representados neste encontro os 27 estados da federação, incluindo a capital brasileira.
Um encontro bastante rico e cheio de informações. Pudemos assistir a diferentes palestras sobre leitura e literatura, a presença do livro e da biblioteca nos vários estados e municípios brasileiros, dados e balanços gerais sobre a vasão da leitura em nossas escolas.
A grande motivadora do encontro, sem dúvida alguma, foi a lei 12.244/10 citada por mim anteriormente. De fato é triste precisar de uma lei que exija a presença de espaços que motivem a leitura, mas ao mesmo tempo é bastante interessante também a existência dela, haja vista as ações saírem do campo dos "desejos de governo" e passarem a ser "políticas de Estado".
Gostei muito de ouvir os depoimentos dos representantes de Curitiba e de Recife, por exemplo. Na primeira cidade há mais de 190 bibliotecas equipadas com acervos próprios, computadores, multimídias, entre outros elementos que tornam a biblioteca um espaço de conhecimento (aquisição e produção deste) e não apenas um amontoado de livros empoeirados e gente grosseira tratando usuários como se fossem intrusos. Na segunda cidade citada, iniciativas de construção de espaços e equiparação de acervos, mobiliários, pessoal treinado etc. para todas as escolas municipais que manifestarem o desejo de assim ter uma biblioteca. E mais: quites de livros para alunos e professores como política de governo e com recursos próprios do município.
Ouvindo esses depoimentos todos fiquei mais entusiasmado. Ao perceber e constatar o empenho e dedicação de alguns municípios com relação ao livro, ao acesso ao conhecimento literário, à formação de leitores, a iniciativa de trazer a comunidade para dialogar com a escola em busca do melhor para seus filhos retomei minhas forças para continuar a caminhada em nossa querida Araçatuba.
Vamos, sim, fazer de Araçatuba uma cidade leitora. Vamos, sim, inaugurar em cada escola municipal uma Biblioteca capaz de servir a professores, crianças e comunidade com o que há de melhor em nossa literatura.
Sim, nós podemos!
sábado, 5 de junho de 2010
Lei 12.244 - Bibliotecas nas escolas
Na última segunda-feria, 24 de maio, o presidente Lula sancionou a Lei 12.244 que dispõe sobre a obrigatoriedade da criação de bibliotecas em todas as escolas públicas e particulares brasileiras, com acervo específico e também com a presença de bibliotecários. Quase tive uma síncope de alegria!
Fiquei pensando em algumas coisas:
1. Na “Sala Encantada” a que Monteiro Lobato se referiu tantas vezes e pela qual ficou apaixonado. O “culpado” pela aproximação do menino prodígio e os livros foi o avô, Visconde de Tremembé. Lobato soube retribuir o favor imortalizando-o numa de suas principais personagens: o Visconde de Sabugosa. Diz a história que Monteiro Lobato só saía da biblioteca do avô “à força”. Que bom acontecer isso também com nossas crianças e jovens.
2. Nas palavras mágicas e a chave para o mundo encantado: “Era uma vez...”. Era uma vez uma porção de escolas que não esperaram por lei alguma para que em suas dependências existissem bibliotecas com prateleiras cheias de livros e cada um deles nãos mãos de crianças e jovens. Era uma vez livros loucos por serem lidos e degustados pelos mais diferentes paladares: aventuras com heróis imaginários e verdadeiros, romances para fazer sorrir e tirar o fôlego, crônicas, contos, causos, poesias...
3. Em salas de aulas que começam e terminam o dia com poemas, com imaginação e criatividade, com bobices e gostosuras de leituras mil... Com crianças se enchendo de esperança – aquela que foi perdida em casa, no bairro onde vivem, num canto qualquer do mundo... O brilho voltando aos olhos de professores e alunos por meio da arte, por intermédio de um mundo possível: o da leitura e literatura.
4. Em pós mágicos que fazem a gente voar por um outro mundo desejável, que põem asas não em nossas costas, mas na imaginação e, às vezes, nos livram de uma situação ruim, de um mundo hostil e degradante, mas que também nos dão força pra encarar as dificuldades e tropeços da vida, com as armas da delicadeza, a grande revolução deste século.
Fiquei pensando em coisas assim, na minha experiência de vida. Do meu encontro com meu primeiro livro – um livro besta, explicando como produzir azeite de forma artesanal, mas que levava pra cima e pra baixo como se fosse um troféu.
Fiquei pensando na possibilidade que tantas outras crianças, jovens e adultos terão ao ler um livro, a trocar experiências entre pessoas e lugares que, financeiramente, talvez nunca teriam oportunidade de conhecer. Quem abre um livro, disse o poeta, abre uma janela para respirar.
É isso: muitas janelas serão abertas pelo Brasil. Muitas pessoas poderão respirar daqui pra frente. O Brasil certamente terá mais oxigênio “nos cérebros”. E quanto bem faz estar com o cérebro oxigenado!
Antonio Luceni é mestre em Letras e escritor, membro da União Brasileira de Escritores – UBE.
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