domingo, 29 de agosto de 2010

Vida, mina a ser explorada


Sempre tive pavor de lugares fechados. Não permiti que se instalasse em mim a claustrofobia, mas me incomoda muito a ideia de ficar fechado em qualquer lugar que seja: elevador, sala de escritório, sala de espera ou coisa assim.
Evitei por anos andar de avião. Esse negócio de coisa fechada, quinze mil metros de altura e mais de oitocentos quilômetros por hora é para super-heroi de histórias em quadrinhos.
Sempre que ouvia o nome do mais conhecido livro de Júlio Verne, Vinte mil léguas submarinas, ficava imaginando a cena. Aliás, a bem pouco tempo tivemos notícia de um submarino que teve problemas mecânicos e, infelizmente, levou à morte toda tripulação.
Dias atrás nos deparamos com a notícia dos trabalhadores de uma mina de ouro no Chile que se encontram na mesma situação. Presos numa profundidade de 700 metros – todos bem, graças a Deus – ficarão por lá por até 4 meses.
Que situação...
Enterrados vivos, buscam pela vida. Como no mito clássico de Platão, estão sob treva e desejam ver a luz. Noite? Dia? Não sabem... Mas o período é grande e devem restabelecer rotinas, driblar o medo, a angústia, a expectativa... Terão que tolerar uns aos outros. Unidos deverão permanecer para que, no apoio mútuo, consigam superar todas as intempéries.
As famílias, acampadas, esperam por notícias. Também em união dividem a dor da separação, tentam, mesmo fora e distantes dos entes queridos, transmitir energia, força, ânimo... Também tiveram que mudar suas rotinas. Tiveram que se adaptar à nova cena que lhes foi imposta.
Quanta coisa a aprender, não?
Quantas vezes não estamos afundados, também, em problemas e nas dificuldades diárias e precisamos nos apoiar uns nos outros para conseguirmos continuar caminhando? Quantos momentos estamos na escuridão e precisamos de uma ponta de luz, por menor que seja, mas que traga um pouco de esperança? Quantas famílias estão irmanadas por compartilharem dor semelhante?
Noutra ponta, o que é preciso acontecer para que nos juntemos para um bem comum? Quando tiraremos nosso traseiro da cadeira e nos colocaremos sob vigília para que alcancemos objetivos bons para a coletividade? O que será capaz de nos tirar da situação de comodismo e morbidez e nos encaminhar para acampamentos de solidariedade, fraternidade e justiça? O que será preciso acontecer para que valorizemos as pessoas que estão à nossa volta e que, às vezes, passam como transparentes por nós?
A vida é ouro. Mina a ser explorada cotidianamente.

Antonio Luceni é mestre em Letras e escritor, membro da União Brasileira de Escritores – UBE, e coordenador do Núcleo UBE Araçatuba e região.

domingo, 22 de agosto de 2010

Eleição na floresta


Este ano é ano de eleição na floresta. Momento importante para todos definirem quem irá comandar o grupo nos próximos quatro anos. Uma assembleia foi convocada pelo Leão. E quem foi dar a notícia foi a D. Tartaruga, mas com ordens severas: apenas para alguns bichos, já que, por conta da lerdeza de D. Tartaruga “não daria” para convidar a todos.
Bichos reunidos, O Rei Leão passou a fala aos candidatos.
Quem primeiro se apresentou foi o Curupira. E não quis saber de brincadeira, não. Já saiu entoando bem alto o seu slogan para que todos o gravassem bem:
 Para a floresta continuar andando pra frente, Curupira presidente!
E todos aplaudiam, e todos festejavam... O candidato falava bem, era popular entre os habitantes da floresta. Mas alguém, lá no meio do povo, observou um detalhe: a natureza do Curupira era a de andar para trás. Por que estava dizendo aquelas coisas, então? E por que os outros bichos não prestavam atenção no que o candidato dizia e se levavam apenas pelo falatório?
Em seguida, veio uma candidata. Era novidade na floresta. Por muitos anos somente bichos do sexo masculino reinavam por ali. Ela tinha pressa, já que não podia ficar por muito tempo fora d’água.
 Vocês já me conhecem porque quem me ouve nunca mais me esquece. Um grito daqui, outro de lá, não adianta resistir porque eu vou te pegar! Meu canto é doce, minha boca também, Iara é meu nome, quero ser teu bem!
Uma voz sedutora, um canto sedutor. Assim, a Mulher-Iara já estava arrancando os corações dos marmanjões, quando o Saci se intrometeu.
 Vamos parar de ladainha, vamos parar de blá, blá, blá... nosso objetivo neste dia é escolher em quem melhor votar. Esse canto é lindo demais, eu também quase caio nele, mas como moleque levado que sou, não caio em qualquer converseiro.
Cheio de rimas para poder provocar, o Moleque Saci saiu a argumentar.
 Seu Curupira, não me leve a mal, mas essa sua conversa é tão mole que já tá fazendo o boi dormir. Onde já se viu? Querer o bem do Brasil não é somente falar, tem que mostrar serviço. Há tantos anos no poder, e o que o senhor fez? Sua única responsabilidade era proteger a floresta. E olha aí? Tá quase toda desmatada. Fiquei sabendo que o senhor anda de conversa com uns tais grileiros...
 E você, Mulher-Iara? Sei que é boa de conversa (e de outras coisinhas mais!), mas na hora do vamu vê, pula do barco e deixa a gente a ver navios.
E a assembléia começou a pegar fogo com a chegada do Saci. Sua fama de bagunceiro e arruaçador estava mais do que comprovada. Era réplica daqui, era tréplica de lá e ninguém queria saber de parar... Até que se ouviu um uivado no meio da floresta. Todos pararam e ficaram escutando. Quando de repente...
 Vamos parar com essa bagunça aqui. Quem é o mais corajoso da floresta? Quem é que deixa caçador e grileiro com os cabelos em pé? Quem é que se mistura com os humanos e passa despercebido e, à noite, à meia-noite, volta para colocar as coisas em ordem? Eu, é claro!
O Lobisomem não deixou por menos.
Depois, veio o Boitatá, que de cara foi chamado de mentiroso pelo grupo, já que de boi não tinha nada, era uma cobra! A Cuca quis se pronunciar, mas não teve a menor chance. Disseram que o lugar dela era no Sítio do Pica pau amarelo.
Depois de muita discussão, decidiram: a floresta era um lugar democrático, por isso todos podiam ser candidatos.
E a primeira a votar foi a Mula-sem-cabeça. Disseram que ela votou num determinado candidato só porque ele tinha lhe prometido um chapéu. É mole?!
Mas que ela vai ganhar um chapéu, ela vai! Ah, vai!

Antonio Luceni é mestre em Letras e escritor, membro da União Brasileira de Escritores – UBE, e diretor do Núcleo UBE Araçatuba e região.

domingo, 15 de agosto de 2010

21ª Bienal Internacional do Livro – um marco em minha vida



De 12 a 22 de agosto, em São Paulo, acontece a 21ª edição da Bienal Internacional do Livro, uma das mais importantes do mundo. O evento é integrado por diferentes ações, que vão desde palestras, mesa de discussão, apresentações culturais, lançamentos e compra de livros, além de contato com livreiros, editoras, escritores, ilustradores e muito mais.
Há espaços e atividades para os mais diferentes públicos: crianças, jovens, adultos, idosos, professores, gestores escolares, intelectuais das mais variadas áreas e gente simples, que curte uma boa leitura.
Sábado, dia catorze, estive com um grupo de colegas da Secretaria Municipal de Educação de Araçatuba e alunos dos cursos de Pedagogia e Artes Visuais da Faculdade Uniesp, Birigui. A maior parte presente pela primeira vez numa Bienal de Livros. No final, perguntei se gostaram, mas não era nem preciso perguntar. Todos estavam com sacolas cheias de livros e muitas histórias para contar.
Na ocasião, também, lancei dois de meus livros e, junto com as escritoras Marilurdes Martins Campezi (Lula) e a Wanilda Borghi (representada), tomamos posse do Núcleo da União Brasileira de Escritores – UBE em Araçatuba e região.
Foi um momento particularmente especial para mim. Eu que há muitos anos venho acompanhando a Bienal de Livros como visitante estive presente neste ano como colaborador do evento. Receber o crachá de escritor e ser empossado coordenador do Núcleo UBE em Araçatuba foi um dos melhores presentes que recebi até hoje.
Ficava feliz sendo acotovelado e “atropelado” nos corredores do Anhembi e nos estandes das editoras. Causava-me emoção ver tanta gente sentada, debruçada num balcão, em filas enormes de caixas para folhear, ler e comprar livros.
Fico feliz de verdade quando vejo tanta gente se alimentado de arte, se humanizando por meio da literatura, da música, do teatro, do cinema, da pintura... Isso significa que quanto mais acesso pudermos dar às pessoas para que usufruam de bens culturais, tão mais mergulharão nesse prazer.
“É no mundo possível da ficção que o homem se encontra realmente livre para pensar, configurar alternativas, deixar agir a fantasia. Na literatura que, liberto do agir prático e da necessidade, o sujeito viaja por outro mundo possível. Sem preconceitos em sua construção, daí sua possibilidade intrínseca de inclusão, a literatura nos acolhe sem ignorar nossa incompletude.”
É com as palavras do escritor Bartolomeu Campos de Queirós em seu “Manifesto por um Brasil literário” que gostaria de encerrar este artigo. Também na esperança de que TODOS e TODAS que trabalham com Educação, com Arte, com formação de pessoas entendam e deem valor ao trabalho com as artes de modo geral e, mais particularmente, com a literatura, isto é, a arte da palavra. Afinal, somos todos PALAVRAS.

Antonio Luceni é mestre em Letras e escritor, membro da União Brasileira de Escritores - UBE e Diretor do Núcleo UBE – Araçatuba e região.

domingo, 8 de agosto de 2010

Eu pratico leitura


Entre os dias 4 e 8 deste mês tivemos mais uma edição da Festa Literária Internacional de Paraty – FLIP, no Rio de Janeiro. Desde 2003, a FLIP tem recebido importantes nomes das literaturas brasileira e internacional para lançar livros, discutir ideias, propor situações diversas sobre os mais diferentes temas e interesses culturais, sociais, intelectuais e outros “ais”...
O nome já algo atraente, não é mesmo, estimado leitor? Perceber o contato com a literatura como uma “festa” – que de fato é! – traz uma série de outros pensamentos: antes da festa há que se organizar tudo: o cardápio, os convidados, o local para acomodar todo mundo, as cores, os sabores e os sons de tudo que vai estar na festa e, de forma mais objetiva, a festa, propriamente.
Ainda não tive oportunidade de participar de nenhuma edição da FLIP. Sempre que penso em estar lá, acabo envolvido com algum outro compromisso que me impede. (Coisas de escola). Fico como aquele cara ou menina que tá doido(a) pra se aproximar de uma paquera, mas só fica de longe, espiando... Uma hora o “beijo” acontece.
A partir do dia 12 e até 22 de agosto teremos a 21ª edição da Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Dá uma alegria danada dizer este número, sabia? Ainda por cima sobre algo relacionado ao livro (impresso, principalmente).
Contrariando os catastrofistas e apocalípticos de plantão, o velho e gostoso livro impresso continua a fazer adeptos e a encher (do verbo fazer pensar diferente e melhor) nossos corações e mentes das mais fantásticas e inebriantes sensações... Rompendo fronteiras, quebrando tabus, intercambias culturas e pensares, propiciando encontros...
Da Bienal de São Paulo sou freguês antigo e comigo levo todos os anos amigos, alunos... Em muitos casos, pela primeira vez. E sabe o que acontece? Se encantam também. (E olhe que nem precisa de 25 de março no roteiro, hein?!).
Eu sonho (e parafraseando Mário Sérgio Cortella, não deliro) com livros invadindo as vidas das pessoas em todos os espaços por onde circulam: escolas, igrejas, praças, shoppings, centros comunitários... Eu sonho que, no lugar de uma arma ou cigarro de maconha e pedra de craque, nossas crianças e adolescentes carreguem livros sob os braços, que em cada semáforo, ao invés de pedirem esmolas, participem de campanhas voluntárias de distribuição de livros de literatura para os que ainda não tiveram acesso a eles. Eu sonho que o entusiasmo das ideias – e quantas delas estão nas páginas brancas ou coloridas de livros – possa substituir a maquinação e planejamento do mal (sequestros, assaltos, desvios de dinheiro público etc. etc. etc.).
E não só sonho, faço minha parte nas aulas que ministro, nas palestras que profiro, nos artigos que escrevo, como estou fazendo aqui. Espero, também, prezado leitor, que você pratique o verbo “ajudar alguém a se interessar por leitura”.
Caminhemos...