Antonio Luceni
aluceni@hotmail.com
Narciso, na mitologia greco-romana, era um herói de Téspias famoso pela sua beleza e orgulho. Muitas versões de seu mito perduraram por todo o mundo. Filho de Cefiso e Liríope, foi vaticinado pelo adivinho Tirésias que teria uma longa vida, desde que jamais contemplasse a própria imagem.
Por conseguinte, narcisismo tem relação direta com as ideias de Narciso, e ambos derivam da palavra grega narke, "entorpecido" de onde também vem a palavra narcótico. Desse modo, para os gregos, essa figura tipificava a vaidade e insensibilidade exageradas, já que Narciso era entorpecido pela sua própria beleza e vaidade. Típico símbolo do individualismo.
Acompanhei com reserva a última edição do Troféu Odette Costa. Ela, jornalista e colunista social das mais afinadas com o tempo, da qual tive o privilégio de publicar o último texto de sua vida, no livro Gol de Letras, certamente também teria o mesmo sentimento.
O fato é que, se prestarmos atenção, ao menos a metade dos indicados para receber o Troféu neste ano de 2011 ou é conselheiro ou tem relação direta com um dos conselheiros que indicaram os ganhadores. E alguns deles, indicados pelo segundo ano consecutivo.
Aí algumas questões são inevitáveis:
1. Araçatuba não produz cultura em suas múltiplas facetas (música, literatura, teatro, dança, pintura...) e em seus mais diversos cantos e por isso a redundância de nomes? (são mais de 180 mil pessoas, dezenas de bairros pela cidade, gente interessantíssima em faculdades, universidades, escolas, centros comunitários etc...);
2. Está havendo cuidado na busca, seleção e indicação dos nomes para o Troféu Odete Costa? Afinal, o prêmio foi instituído por lei e é de dinheiro público que sai toda premiação. Portanto, o povo deveria ser privilegiado e não uma meia dúzia de “sempre Cult”. Sempre são as mesmas personas que escrevem, que pintam, que cantam, que dançam, que interpretam em Araçatuba. (Será?);
3. Se não é ilegal, certamente imoral é que os conselheiros se autoproclamem premiados. Coisas assim não fizeram Napoleão, Hitler e alguns deputados e senadores que trocam comendas e honrarias para encherem suas paredes e prateleiras de certificados, medalhas e troféus?
4. Se é um Troféu dirigido às várias categorias culturais, por que não uma votação aberta, on line, em que os vários personagens públicos, que têm condições, estes sim, sem partidarismos, sem conchavos e questões pessoais, de indicar os nomes que verdadeiramente contribuíram para as artes e cultura da cidade no período analisado?
5. Em edições anteriores do Troféu Odette Costa foi publicada uma lista com os nomes que concorreram a cada uma das categorias deixando, assim, ao menos um parâmetro para a população e agentes culturais os critérios de escolha e tudo o mais, ainda que questionáveis. Este ano, nem isso houve. Não podemos ter parâmetro, se quer, para entender se de fato os vencedores mereceram ou não o prêmio. Evidente que todos que receberam a premiação produzem cultura, não é esta a questão. Mas, por tratar-se de uma “seleção” de nomes, por que razão os indicados não apareceram?
Poderíamos fazer inúmeras outras questões, assim como conseguiríamos citar, ainda que mentalmente e sem nenhuma análise mais profunda, (coisa que deveria ter sido feita pelo Conselho) nomes como Tito Damazo para Literatura, já que publicou, depois de anos, uma coletânea de poemas de qualidade ímpar no livro Contrabaixo ou a União Brasileira de Escritores – UBE, a maior e mais antiga instituição de escritores em atuação no Brasil e que instalou em Araçatuba o seu primeiro Núcleo; para as artes plásticas Márcia Porto, com um projeto belíssimo atrelando arte e moda; Grupo Pregadores do Riso, que fez uma turnê Brasil afora, com premiações mil, inclusive no exterior, entre outros nomes que é só parar e ver. Certamente a metade dos indicados, ou seja, conselheiros, ficariam de fora, caso tivessem bom senso, para dar vez a outros nomes.
Mas essa minha crítica é só um mexer das águas. A imagem pode até ficar difusa, entretanto os Narcisos ainda se terão como foco, isto é, continuarão a enxergar somente a si próprios.
O final, todos nós sabemos.
Antonio Luceni é mestre em Letras e escritor, Diretor da União Brasileira de Escritores – UBE.