Antonio Luceni
Se soubéssemos o peso que as palavras têm, não as usaríamos de qualquer modo. Não sairíamos como metralhadora, disparando por aí toda e qualquer palavra.
Gosto de conversar com as pessoas e prestar atenção no que estão dizendo, ouvir suas queixas e vivências, absorver experiências sobre coisas que necessariamente não terei que passar para ver como são, para “tirar a prova dos nove”. Talvez por isso goste tanto de biografias. Leio várias delas. De artistas, de escritores, de pessoas simples do povo... Os documentários sobre pessoas e vidas das mais diversas são um grande aprendizado para mim.
É interessante como, nos relatos dessas vidas todas, as palavras marcam os vários momentos: “Você é importante para mim”; “Seu trabalho me anima e me faz continuar viva”; “Você consegue, sim; nunca deixe que ninguém diga o contrário”; “Seu desgraçado... tomara que você morra”; “Você não presta; nunca vai ser alguém na vida”... Quantas palavras serviram como barreira ou trampolim para vida de tanta gente.
Fico pensando em quanta bobagem já disse pela minha vida que não contribuiu em nada para edificação da vida das pessoas, para que elas se animassem a fazer algo de bom para seus semelhantes e contribuir para com seu entorno. Quantas palavras atravessadas numa conversa ou discussão feriram meus pais, meus irmãos, amigos ou colegas de trabalho.
Mas também – tenho consciência disso – disse e escrevi coisas que ajudaram pessoas do meu convívio, que motivaram um novo projeto, que encaminharam a vida para um rumo melhor, de alegria, de conhecimento, da arte...
Estou cada dia mais preocupado com aquilo que digo ou deixo no papel. Estou cada vez mais arrelio a escrever “qualquer coisa”, botar qualquer palavra para circular por aí, seja em que formato for... Estou preocupado em, de repente, atrair alguém para meus textos e, no final, esse alguém se decepcionar, achar uma babaquice tudo que leu e me amaldiçoar para o resto da vida. (Vá lá saber se a maldição dele pega e acabo definhando no ofício de escrever).
É verdade: a palavra muda a vida da gente.
Quantas vezes saímos de um texto e choramos? Quantas vezes saímos de um texto e queremos abraçar alguém, dizer que é importante pra gente, que é gostoso estar ao seu lado ou coisa assim? Quantas vezes saímos de um texto e ficamos com medo de cometer pecado, de querer chegar a ser deus, a sair correndo, fugindo para outro canto do mundo ou universo? Quantas vezes saímos de um texto e ficamos com palavras no colo, acariciando-as feito amante em dia de chuva e noite gostosa?
Não quero mais usar a palavra-vã, a palavra ainda crua, bruta, sem nenhuma reflexão que seja, mínima que seja... Mas não a quero enfeitada, também. A palavra cheia de maquiagem, dissimulada, travestida... Quero a palavra-palavra, verdadeira, pura, limpa, honesta, direta, simples... Quero a palavra que, por mais estranha e seca que seja, sirva para alguma coisa, mas alguma coisa bacana, que valha a pena para quem ouve.
Não quero usar palavras de bajulação, não. Por mais que às vezes elas fiquem implorando para sair, mas não as quero saindo de minha boca. Quero os elogios verdadeiros e que, mesmo as críticas, sejam humanas, no intuito de contribuir, não de machucar.
Quero a palavra-que-presta, que transforma, que modifica o olhar sobre as coisas. Quero a palavra-muda, a palavra-transparente, a que alguns conhecem como “silêncio”. Mas não o silêncio da alienação, do devaneio... Quero o silêncio-palavra, ou melhor, a palavra-silêncio, a que diz mesmo sem dizer. Mas diz.
Antonio Luceni é mestre em Letras e escritor, membro e diretor da União Brasileira de Escritores – UBE.