Antonio Luceni
Foi Vinicius, eu acho, que prestou atenção num jeito todo especial de andar numa tal garota de Ipanema. Mas não foi somente ele, não. Muitos outros poetas e músicos se engraçaram pelas curvas e remelexos dos quadris femininos, como numa dança hipnotizante a conquistar marmanjões de todas as espécies. E como rebolam quando buscam suas “vítimas”!
Também o malandro é reconhecido pelo seu gingado. Só que aí o remelexo desloca-se da região da cintura e sobe para região dos ombros. É um mix de tudo: o remelexo começa nos pés, levemente entortados para gerar um pouco de desequilíbrio e, como abalo sísmico ou onda do mar, começa tímido, quase imperceptível e, quando vemos, produz aquele gingado todo que é peculiar do bom malandro.
Há, ainda, um rebolado caricato, algo mais grotesco, a meu ver, mas que virou moda – e no pior sentido da palavra – nos programas televisivos brasileiros de tevê aberta (e também, em menor escala, nas pagas): a abundância de bundas num chacoalho frenético de mulheres frutas, tais como Pera, Maçã, Melancia e outras mais. Mesmo quem gosta das “frutas”, passada a euforia, metem o pau nelas!. “E se fosse sua irmão ou mulher, aceitaria?”. A resposta é direta: “Lógico que não!”. Então, definitivamente, não é algo que aprovam.
Para mim, um garoto de cinco ou seis anos, o que seria rebolar? Sinceramente, não sei. Aliás, nem fazia distinção entre os modos de andar. Andar para mim era simplesmente andar. Mas aquele “Para de rebolar, menino. Ande feito homem” soou forte o bastante para me fazer começar a prestar atenção nos jeitos de andar. “Como seria andar feito homem?”, “O que determina nosso jeito de andar? É a ossatura? É algum componente cerebral?”; várias perguntas passaram a orbitar em minha mente. (Até hoje não descobri o que determina o jeito de andar da pessoa. Se alguém souber, conte pra mim).
Logo de cara percebi que as mulheres rebolam mais, mesmo. Sobretudo quando já têm os quadris avantajados. Mas também vi homens rebolando, ainda que de leve, mas rebolavam também. E olha que eram homens homens, com jeitão de homem, bocão de homem, vozerão de homem e com uma sede de “Chapeuzinhos” de lascar. Mas... rebolavam!
Depois da fase da observação externa, fui me observar no espelho. Ou melhor, fui tentar me observar no espelho. A dificuldade já era em não ter espelho de corpo inteiro em casa. Então, tentava me virar – e isso tudo escondido, é claro, não podia “dar bandeira” porque aí é que minha masculinidade seria colocada em xeque – com o que tinha. Mas era complicado porque quando me virava para olhar no espelho como estava andando, a própria posição do corpo já mudava tudo.
E assim foram anos e anos de tentativas: andar mais duro um pouquinho, mudar a posição dos pés para alterar o ritmo do corpo, fazer de conta que estava machucado para “camuflar” a situação, até “corrente de oração” cheguei a fazer para mudar meu jeito de andar (e depois, de falar, de ser, de agir, de pensar...). Mas nada adiantou.
Passar em rodas masculinas, sobretudo com quatro ou cinco integrantes, era uma tortura. Porque era só passar e já esperar os risos, as piadinhas e, muitas vezes, os xingamentos. Fazer o quê? Encarar a todos? Brigar com todo mundo? Não era (e ainda não o é) razoável e inteligente. “Se ao menos andasse como todos, não passaria por isso”, pensava.
Até hoje meu andar é motivo de comentários. Os depreciativos continuam e procedo do mesmo modo: se puder evitar uma roda eminentemente masculina evito, mudo de calçada, ando bem rápido. Por esses dias mesmo passei por isso na rua, com dois jovens universitários gritando em plena luz do dia palavras quaisquer de ofensa para mim, sem ao menos eu me referir a eles.
Mas é preciso caminhar. É preciso ir adiante. Ainda que os passos de alguns estejam enterrados no primitivismo, é preciso caminhar e fazer com que a humanidade caminhe também, a passos largos, rebolando ou não, para chegarmos – se Deus quiser – num mundo melhor.
Antonio Luceni é mestre em Letras e escritor. Membro e diretor da União Brasileira de Escritores – UBE.