Será que o Brasil começa a funcionar agora?
No País do carnaval, tudo é antes e depois dele. Acho que deveriam instituir os calendários de tudo só depois do carnaval. Início de aulas? Depois do carnaval. Pagamento de impostos? Depois do carnaval. Casamento, batizado, posse, compra e venda de imóvel... só depois do carnaval.
Aí, ficaria tudo mais fácil. Aí saberíamos quanto de fato restou do décimo terceiro salário ou das festas e férias de final de ano. Tudo para depois do carnaval. O reino do Momo é que deveria ditar as regras.
É somente depois do carnaval, também, que ganhamos a grata alegria – ao menos pra mim – de ter o horário normal de volta. Sim, porque essa coisa de horário de verão é uma invenção de quem não acorda cedo e assina ponto. O camarada fica inventando história porque ele pode dormir até tarde, não tem que passar dedo em ponto digital e tudo o mais que os proletários, como nós, têm que fazer.
Só depois do carnaval é que as cidades voltam ao seu ritmo normal, que o lixo diminui, os odores de urina e de fezes, próprios das cidades turísticas, matrizes do carnaval, começam a dar lugar aos cheiros característicos de cada local.
Só depois do carnaval que as pessoas voltam para o morro, à vida de rotinas nos lares abastados da classe média e dos ricos, nos trens e lotações abarrotados de gente, ao anonimato relegado ao pobre pelas elites dominadoras.
Depois do carnaval não tem rei e nem rainha, não há princesas e nem porta-bandeiras... todos agora são súditos do mesmo rei, que não é alegre como o Momo, que não é festeiro como o rei do carnaval.
O rebolado, depois do carnaval, é outro. Sim, porque rebolamos o ano inteiro, mas somente no carnaval é um rebolado bom, alegre, contagiante... Os outros rebolados, durante o ano, são para escapar da loucura do dia a dia, do aperto do final do mês, da ordem de prioridade das coisas para comer, vestir, morar, transitar...
Só depois do carnaval tiramos as fantasias, arrancamos os sapatos dos pés e ficamos mais confortáveis. Vemos que todo aquele brilho e glamour já não nos pertence mais, aí nos colocamos – ou somos colocados – no lugar a que nos destinaram: anonimato e silêncio.
Só uma coisa permanece depois do carnaval: as máscaras. Delas não abrimos mão. Máscaras de alegria, quando realmente estamos tristes e chateados; máscaras de convergência, quando não concordamos com uma série de coisas, mas não podemos falar porque corremos o risco perder o emprego; máscaras de religiosidade, quando demônios são aflorados à noite, nas esquinas de ruas duvidosas, nos desejos mais secretos que temos, sob os mais diferentes aspectos da vida.
É, parece mesmo que a vida só funciona no Brasil depois do carnaval.
Antonio Luceni é mestre em Letras e escritor. Membro e diretor da União Brasileira de Escritores – UBE.