Antonio Luceni
aluceni@hotmail.com
“O importante é tentar, nem que seja o impossível.”
Jorge Amado, in: A morte e a morte de Quincas Berro D’água
A frase acima foi proferida por uma das personagens do escritor baiano Jorge Amado, conforme a indicação mostra. E não se trata de uma personagem qualquer, não. Estamos falando de um alcoólico que, por diversas vezes, fingira-se de morto só para “tirar onda” com a cara dos outros e, mesmo agora, em sua última morte, todos tinham dúvida quanto se o estavam velando morto ou vivo e safado de novo.
No ano em que Amado faria cem anos se estivesse vivo, muitas de suas obras estão sendo relidas por estudantes e estudiosos, merecidas homenagens pululando por todo o Brasil, fragmentos e passagens de seus livros espalhados pelo facebook, twitter, blogs e outras tantas mídias digitais.
Escolas enchem seus murais com cartazes, pesquisas, retratos, fotografias, matérias de jornais, cópias de capas de livros de um dos escritores brasileiros com mais obras traduzidas em todo o mundo.
Suas histórias, com suas personagens, ganham o imaginário popular e rompem com as fronteiras dos livros; vão para as telas de cinema, enchem as salas de casas dos vários cantos do país em forma de novelas e minisséries, viram cartaz de teatros, movimentam estúdios e rádios com músicas, declamações, depoimentos...
Quem não se lembra de Tieta do agreste, interpretada por Betty Faria? Ou Gabriela, cravo e canela, com Sônia Braga e, agora, revisitada por Juliana Paes? Capitães da Areia, em seu primeiro formato, em inglês, na década de 1970 ou, no mais recente, em 2011?, entre tantos outros sucessos que seria um trabalho meticuloso enumerá-los e elencá-los todos.
Se “o importante é tentar, nem que seja o impossível”, o brasileiro Jorge Amado provou ser verdadeiro. Sob muitos aspectos, “tentou” discutir temas ligados à política, à cultura, à educação, às humanidades e às artes em geral, ao trabalho sério e marcante da literatura, ao convívio entre intelectuais, estudiosos, artistas e pessoas simples do povo como forma de emancipação, engajamento social, instrumento de formação de cidadãos cônscios de seus direitos e deveres. Tentou e conseguiu. Vejam-se aí os muitos exemplos espalhados pelo mundo.
Entre as muitas características e atrativos que me fazem sempre retomar uma ou outra obra dele para meu cotidiano está o fato de ele dar vez e voz para “a escória” da sociedade: prostitutas, bêbados, trombadinhas... e, nela, colocar verdadeiras pérolas filosóficas, como na frase de epígrafe deste texto. E, tal qual uma pedra ou metal precioso, surge-nos “sujo”, numa primeira olhada, até desprezível, mas que, aos poucos, vamos descobrindo algo belo, valioso, rico.
Antonio Luceni é mestre em Letras e escritor. Membro e Diretor de Integração Nacional da União Brasileira de Escritores – UBE.