Por Antonio
Luceni
As últimas semanas deste ano têm sido recheadas de
verdadeira comoção, catarse, angústia, expectativa e tantos outros sentimentos
que virariam, certamente, um excelente roteiro para o cinema e televisão, num daqueles
documentários nos quais a gente fica pensando até onde está a realidade e onde
começa a ficção (ou seria tudo ficção, já que é a realidade transmutada para
uma peça de arte? ou é tudo verdade?).
Refiro-me ao episódio específico do julgamento da Ação
Penal 470, do “mensalão”. Dela, podemos depreender várias lições e cada uma
delas com o viés desejado, já que há vários vieses nela.
Mas não gostaria de tratar de “mensalão” por aqui,
quero discutir uma outra “lição” que também veio do Supremo esta semana, de um
pedido e encontro promovido pelo presidente, Ministro Ayres Britto e estampados
nos principais jornais do Brasil, e também nos da região de Araçatuba: “Ayres
Britto diz que carreira de juiz sofre ‘temerário desprestígio’”. (O Liberal,
15/11/12, A3).
“Temerário desprestígio”... fiquei pensando no que
significaria isso. A palavra “magistrado” vem do latim “magister” que, por sua
vez, vem de “magis”, maior, grande. E “magister” quer dizer “mestre”, isto é,
aquele que não somente sabe do que diz, mas também tem condições de transmitir
o que sabe de forma clara, objetiva, pedagógica. É isto mesmo: “magister” é
também a palavra usada para designar “magistério” em nossa língua. E, a meu
ver, mais adequada para o ramo da pedagogia, do professorado, visto que, por
excelência, o saber e o ensinar (aprender também) é próprio da carreira de
professor. Mas com uma diferença, ou melhor, com uma grande diferença: quem é o
“magis” dessa história toda: o magistrado ou o magistério, o pedagogo, por assim
dizer? Pergunta retórica não merece resposta.
Na referida matéria, o presidente do Supremo Tribunal
Federal (STF) sinaliza estar preocupado com os caminhos pelos quais a
magistratura está se enveredando e alerta: “Estamos nos desprofissionalizando.
Isso é realidade, não é retórica.”. Pois bem, nesse jogo de “magister” e
“magis” várias perguntas podem ser feitas, entre elas: Quem de fato é “magister”
e quem é “magis”?
Não que eu ache que os magistrados, dignitários legítimos,
não devam lutar por seus direitos; aliás, “direitos” é algo que lhes são pertinentes,
mas e outros “magistri”?, como professores, pedagogos e demais profissionais do
magistério, também não o são? É só olhar para o local de trabalho onde um “magister”
do judiciário exerce sua profissão e compará-lo ao “magister” da educação, que
a discrepância dispensará palavras. É só sentir o ar próprio do ambiente de um “magister”
do judiciário e compará-lo à estufa a partir da qual um “magister” da educação
desempenha sua função social, que também as coisas se colocam em seus devidos
lugares. Peguemos a folha de pagamento do “magister” reclamante (e essa é a
principal questão levantada pelo ministro Ayres Britto na referida matéria) e
pareá-la com a da maioria dos colegas “magistri” em todo Brasil para ver o que,
de fato, significa “desprestígio”.
Aí chegamos em “magis” que, como já visto, é a
palavra primeira que dá origem a “magister”, e significa “maior”, “grande”.
Como professores, somos “magis” na tolerância, na paciência, na grandeza de exercermos
nossa profissão com dignidade e com a utopia que só os loucos e os sábios têm
(às vezes fico pensando em qual modalidade me encaixo). Já eles, os “magistri”
do judiciário, o são em inteligência e também na carteira cheia.
Tenho dito repetidamente pra ver se a ideia “cola”,
pra ver se nós, “magistri” por excelência, usamos de nossa “magis” inteligência
e esboçamos alguma reação para que, também nós, retomemos nossa condição de “magis”,
de “magister” na sociedade que, um dia, no entendeu grandes, sábios e, por isso
mesmo, imprescindíveis no mundo. “Magis” na ação e no bolso também.
Antonio Luceni é mestre em Letras e escritor. Diretor de Integração Nacional da União
Brasileira de Escritores – UBE.