terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

EU, IMORTAL?


Eu, imortal?
Por Antonio Luceni


Sempre carreguei comigo o desejo de viver para sempre. Aliás, isso não é exclusividade minha. Nas mais diferentes épocas e culturas, a vontade de continuar vivo é algo que acompanha o ser humano. Tanto na vida real quanto na ficção, cientistas, cineastas, escritores, novelistas buscaram – e ainda buscam – encontrar a fórmula da eternidade.

É verdade que, de algum modo, o efeito do “viver para sempre” teve algum sucesso com o progresso científico, com a melhoria da qualidade de vida das pessoas, com a reeducação alimentar e tantas outras situações que fizeram com que o homem deixasse de ter uma expectativa de vida de 30, 40 anos e passasse a viver hoje até seus 80, 90, 100 anos... Só que ainda não é suficiente.

Mas por que viver para sempre? O que fazer com a eternidade? Para a humanidade, a imortalidade de alguns seria ótimo, não é mesmo? Pessoas como Gandhi, Madre Tereza de Calcutá, Betinho, Martin Luther King, Einstein, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Oscar Niemeyer... não deveriam morrer, haja vista o bem que produzem para o mundo. Mas como Deus é justo e oferece a mesma oportunidade para bons e maus, colocou a morte no meio do caminho. Já pensou se Hitler, Bin Laden, Saddam Hussein e tantos outros humanos com índole às avessas lograssem da imortalidade?

Portanto, apesar de também almejar a eternidade – e não é para nenhum desejo ou intenção escusos, apenas por medo da “curva da estrada”, como sugere Pessoa – acho adequada a morte: mais justa, mais transformadora, mais coerente com esta etapa da vida aqui na Terra.

Embora pertença há alguns anos a uma instituição ligada ao livro e à literatura, das mais antigas, atuantes e importantes do Brasil, a União Brasileira de Escritores – UBE, não havia recebido o “título” de imortal. Passo, então, a partir de agora, a ser reconhecido com “eterno” ao me ligar à Academia Araçatubense de Letras – AAL. Alguns diriam que passamos a ser imortais numa academia porque “não temos onde cair mortos”. Há um pouco de verdade nisso. Os que se ligam à cultura ou que se dedicam a ela em nosso País – e o com os escritores não é diferente – normalmente o fazem pelo desejo e idealismo no difundir das artes, já que não é o melhor caminho pra ficar rico.

Então, por que imortal? Imortal porque se pressupõe que a produção de um membro de uma academia seja relevante para todos, que o trabalho de um acadêmico é resultado de uma busca mais apurada, de um pensamento mais refinado, de uma dedicação própria de quem se lança a algo relevante, não somente para si, mas também para seus pares. O trabalho de um acadêmico deve ter um vigor tal que ultrapasse seu próprio tempo de vida, que se projete a gerações futuras e, mesmo depois de décadas e, quem sabe, de séculos, de algum modo, traga ainda o frescor da vanguarda ou da ousadia do tempo em que foi produzido.

Na verdade, todos nós iremos para um outro plano, mundo, lugar – como queiram chamar – em algum momento que não nos cabe saber. A diferença entre os que se vão e são esquecidos e os que se vão e são considerados “imortais” é que estes últimos deixam uma herança cultural, filosófica, política, religiosa, literária... que serve para todos. Se seremos imortais ou não, depende somente de nós.

Antonio Luceni é escritor, membro e diretor da União Brasileira de Escritores - UBE.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Eu vi um menino


Eu vi um menino
Por Antonio Luceni
aluceni@hotmail.com

Esta noite sonhei um sonho bom e quase não quis acordar. Eu vi um menino correndo por um campo lindo, todinho pintado de verde, com grama e flores feito aquelas pinturas impressionistas. Corria feliz e não se importava com o que estava ao redor. Na verdade, não havia muitas coisas na cena, além do menino e sua felicidade.

Corria para todos os cantos, numa corrida comprida, normalmente em linha reta, como aqueles que correm concorrendo medalhas, só que com mais sutileza, com mais leveza, com mais alegria, porque parecida já correr com a vitória nas mãos, com o prêmio antecipado de uma disputa que não tinha concorrentes, porque só estava somente ele ali.

Eu via aquele menino sorrindo, feliz, e ficava pensando nos motivos de sua felicidade, nas coisas que o faziam correr tanto. Não percebia regras por ali. Não via guarda de trânsito que o interrompesse ou que o chamasse a atenção. Não havia "psius", não havia "sossega, menino", não tinha castigo, bate-boca, murmuração... Parecia que a presença do menino ali era resultado de descuido, do esquecimento de alguém, de algum adulto irresponsável e desleixado que, com sua irresponsabilidade e desleixo, fazia aquela criatura feliz.

Eu vi um menino feliz e ninguém me tira a certeza de que aquilo poderia ser real, de que aquele sonho poderia ocorrer em alguma parte da cidade, em algum parque lindo, dos poucos parques lindos que há pelo mundo..., mas em dia de trabalho, cheio de afazeres para adultos e, estes, com suas crianças presas em casas, em pré-escolas e jardins da infância, já que o parque era exclusivo daquele menino. Os adultos não têm tempo para brincar, não deixam as crianças brincar e isso seria mesmo um absurdo: um menino, em pleno expediente de trabalho, na claridade do dia... brincando.

Havia uma sinfonia que acompanhava este menino enquanto ele corria. Era uma música indecifrável, com aspectos de uma balada teen e notas de caixinha de música, de canções de ninar... Mas acho que a música era ouvida somente por mim, o menino não estava - ao menos não demonstrava estar - atento às demais coisas do mundo. Aliás, ao que parecia, o seu mundo se restringia à sua felicidade. 

Eu vi um menino lindo, com sua felicidade linda, num campo de flores lindo, embalado por uma música linda... lindo, lindo, belo menino, lindo, lindo, com sua felicidade linda, linda...

Eu vi um menino que me fez querer ser menino de novo, que me fez resgatar minha infância e extrair dela os cheiros das frutas e flores com as quais convivi; retomar o aroma de terra molhada logo após uma chuva rápida de verão; me fez relembrar as comidas gostosas, preparadas pelas mãos de minha vó Janóca, com ingredientes frescos plantados e colhidos pelo meu avô, Neuzim. Da felicidade com que eu, meus irmãos e primos corríamos também pela chácara Piloto, sob pés de mangas, poncãs, jabuticabas, cajus...

Eu vi um menino que deveria ser modelo para todos os meninos do mundo: livre e correndo atrás de sua felicidade; livre e sem muitas regras que impeçam ou que bloqueiem a marcha; livre, como todos devem ser livres.

Eu vi um menino num sonho bom que tive esta noite. Mas que pena, foi só um sonho. Um sonho só, que poderia se tornar realidade, com seus campos, com suas felicidades, com suas flores, com suas verdades...

Antonio Luceni é escritor, membro e diretor da União Brasileira de Escritores - UBE.