Eu, imortal?
Por Antonio Luceni
Sempre carreguei comigo o desejo de viver para sempre. Aliás, isso não é exclusividade minha. Nas mais diferentes épocas e culturas, a vontade de continuar vivo é algo que acompanha o ser humano. Tanto na vida real quanto na ficção, cientistas, cineastas, escritores, novelistas buscaram – e ainda buscam – encontrar a fórmula da eternidade.
É verdade que, de algum modo, o efeito do “viver para sempre” teve algum sucesso com o progresso científico, com a melhoria da qualidade de vida das pessoas, com a reeducação alimentar e tantas outras situações que fizeram com que o homem deixasse de ter uma expectativa de vida de 30, 40 anos e passasse a viver hoje até seus 80, 90, 100 anos... Só que ainda não é suficiente.
Mas por que viver para sempre? O que fazer com a eternidade? Para a humanidade, a imortalidade de alguns seria ótimo, não é mesmo? Pessoas como Gandhi, Madre Tereza de Calcutá, Betinho, Martin Luther King, Einstein, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Oscar Niemeyer... não deveriam morrer, haja vista o bem que produzem para o mundo. Mas como Deus é justo e oferece a mesma oportunidade para bons e maus, colocou a morte no meio do caminho. Já pensou se Hitler, Bin Laden, Saddam Hussein e tantos outros humanos com índole às avessas lograssem da imortalidade?
Portanto, apesar de também almejar a eternidade – e não é para nenhum desejo ou intenção escusos, apenas por medo da “curva da estrada”, como sugere Pessoa – acho adequada a morte: mais justa, mais transformadora, mais coerente com esta etapa da vida aqui na Terra.
Embora pertença há alguns anos a uma instituição ligada ao livro e à literatura, das mais antigas, atuantes e importantes do Brasil, a União Brasileira de Escritores – UBE, não havia recebido o “título” de imortal. Passo, então, a partir de agora, a ser reconhecido com “eterno” ao me ligar à Academia Araçatubense de Letras – AAL. Alguns diriam que passamos a ser imortais numa academia porque “não temos onde cair mortos”. Há um pouco de verdade nisso. Os que se ligam à cultura ou que se dedicam a ela em nosso País – e o com os escritores não é diferente – normalmente o fazem pelo desejo e idealismo no difundir das artes, já que não é o melhor caminho pra ficar rico.
Então, por que imortal? Imortal porque se pressupõe que a produção de um membro de uma academia seja relevante para todos, que o trabalho de um acadêmico é resultado de uma busca mais apurada, de um pensamento mais refinado, de uma dedicação própria de quem se lança a algo relevante, não somente para si, mas também para seus pares. O trabalho de um acadêmico deve ter um vigor tal que ultrapasse seu próprio tempo de vida, que se projete a gerações futuras e, mesmo depois de décadas e, quem sabe, de séculos, de algum modo, traga ainda o frescor da vanguarda ou da ousadia do tempo em que foi produzido.
Na verdade, todos nós iremos para um outro plano, mundo, lugar – como queiram chamar – em algum momento que não nos cabe saber. A diferença entre os que se vão e são esquecidos e os que se vão e são considerados “imortais” é que estes últimos deixam uma herança cultural, filosófica, política, religiosa, literária... que serve para todos. Se seremos imortais ou não, depende somente de nós.
Antonio Luceni é escritor, membro e diretor da União Brasileira de Escritores - UBE.