|
*Artista plástica e contadora de histórias |
|
Massato Ito |
Olá pessoal, tudo bem? Nosso entrevistado de hoje é multifuncional e artista autoditata. Estamos falando de Massato Ito.
Massato é formado em Direito, Letras e Estudos Sociais pela Instituição Toledo de Ensino. Apaixonado pelas artes de modo geral, tem predileção por John Dennis Howard, americano, araçatubense de coração, que dedicou-se à pintura, abstracionista no início e, posteriormente, fazendo o caminho inverso, figurativo, passando a utilizar em sua pintura elementos do grafite.
Reconhecido como o “ introdutor do grafite no Brasil”, “ dinossauro do grafite”, durante muito tempo, John Howard influenciou o meio artístico araçatubense com suas ideias, que subverteram a ordem estabelecida, muitas vezes escandalizando a mentalidade provinciana, inculta e conservadora da sociedade local, que contava com algumas figuras interessantes, diria brilhantes, ligadas às artes literárias ou que se metiam a fazer jornalismo independente, (tabloides e periódicos universitários). Elite com alguma experiência jornalística, saída dos jornais da cidade, de jornais universitários, ou de São Paulo, como o Rui Barbosa (Folhetim do Diretório Acadêmico da FOA), Hugo Higushi, do Estadão, (este deixou um emprego garantido, para praticar um jornalismo utópico , sem se sujeitar a cabrestos ou a restrições – aí me incluo, pois também participei fazendo toda a arte do jornal conhecido como “ Novotempo”). Outro jornal “O Tabloide” também circulou por um período, sob a batuta de Reinaldinho Penteado, promotor com espírito de artista, que experimentou o teatro, dedicando-se posteriormente à música, chegando a compor e a tocar bateria.
A intelectualidade local era ainda composta por personalidades ligadas ao teatro como, Darley Miranda, Agostinho, Clarismindo de Castro, Donosor Negrão, Aldo Bucchi, Nelson Peito de Pomba, Ataliba Sanches, Zé Preto, Paulo Grobe, Cido Sério e Cidinha Lacerda, Carlos Henrique dos Santos (o Carlão) e Suely Mendes (que embora não atuassem no meio artístico, foram importantíssimos, segundo Massato, em sua formação, pois o influenciaram com o bom gosto musical deles).
|
A presidente Dilma recebendo uma peça do artista em uma de suas visitas a Araçatuba |
"Eu nunca tive toca-fitas, vitrola ou coisa semelhante, mas era amigo e padrinho de casamento do Cido Sério, que tinha uma boa coleção de discos, frequentando a casa dele e de outros amigos; fui assim sendo apresentado à musica popular brasileira de qualidade, pois todos tinham bom gosto musical", confidencia o artista. Teve influência do César Menezes e, sobretudo, do Carlão; este era quem descobria e apresentava os grandes músicos, cantores, compositores... (e até hoje é assim!) que são invisíveis na mídia nacional. Portanto "tudo o que eu ouvia já vinha com garantia, com 'selo de qualidade', pois já havia passado pelo crivo do Carlão", comenta Massato.
Não fossem eles, o artista disse que só ouviria Beatles, Rolling Stones, Bob Dylan, Simon & Garfunkel, Alice Cooper, James Taylor... O César Menezes (Cesão, como era conhecido) já tocava violão muito bem e pacientemente acompanhava Massato nas cantorias, que tinham por repertório esses cantores mencionados antes, além de Caetano, Gil, Alceu Valença, Paulinho da Viola, Djavan etc.
Quanto ao envolvimento com o teatro, até hoje, é de se mencionar que a cidade contou com até uma dezena de grupos de teatro, praticando essa arte sem qualquer formação específica. Volta e meia pintavam algumas oficinas, como a que fizeram com o grande Vladimir Capela, e que durante uma semana, os concedeu o privilégio de conviver com a sua genialidade. Ainda não havia sido consagrado, como o foi posteriormente, fazendo teatro para criança.
Massato recorda, até hoje, de quando ele conquistou todos os melhores prêmios de teatro (da APCD... Associação Paulista de Críticos de Dramaturgia, Prêmio Mambembe, Schell, etc...). O artista enfatiza que está se referindo aos seus contemporâneos e a uma geração nova subsequente. Posteriormente surgiu uma nova geração de músicos e, sobretudo no teatro, temos que registrar a atuação de Alexandre Melinsky, graças a quem temos hoje um público cativo, consumidor da arte teatral. Surgiram também novos dramaturgos e diretores de teatro, dentre os quais destaca o Laerte Júnior.
Também tinha os aficionados por cinema, que mantinham cineclube, frequentado por meia dúzia de pessoas ou, ainda, artistas que se expressavam através da música, como o talentosíssimo Magno Martins, que além de músico, também fazia teatro (era dramaturgo, produzia os próprios textos, dirigia a montagem, participava como ator, cenógrafo e figurinista. Magno contava com uma “entourage”, séquito de fãs que o acompanhavam e o aplaudiam em festivais, dentre os quais, o maior Tiete era o Cido Sério, além do Querô, Cesão, Dé, Help, Eugênio ...rsrs), e outros músicos, “com vida própria”, como, Mauro Rico, Eugênio Thereza, César Menezes, e principalmente, Zé Renato, (José Renato das Neves). "Com relação ao Zé Renato, embora hoje pouco relacionamento tenhamos, foi das pessoas que mais acreditaram em mim e me promoveram, e sou-lhe imensamente grato por ter, por exemplo, tocado, juntamente com os “Flautimbandos” (orquestrinha de instrumentos de sopro formado só de molecotes, que hoje são estrelas de primeira grandeza), no meu “vernissage” de inauguração da Itaú Galeria de Penápolis. (Exposição de Esculturas)", destaca Massato.
|
Busto de Pe. Veira feito em argila |
Para Massato, Zé Renato foi importantíssimo na formação musical de muitas estrelas de primeira grandeza da música, que hoje brilham no cenário nacional, instrumentistas, que tocam ou tocaram com Seu Jorge, Bocato, Roberta Miranda, Zezé de Camargo, e com diversos outros cantores sertanejos, ou músicos eruditos que tocam, até hoje, em orquestras e bandas sinfônicas de renome. (Celsinho tocou saxofone com vários sertanejos, como Roberta Miranda, e hoje é professor nas melhores escolas de música do país); Marcão Pedroso (clarinete e saxofone, na Banda Sinfônica de São Paulo, além de tocar em quarteto, cuja apresentação só viu no Jô Soares) igualmente dedicando-se ao ensino musical; Márcio Negri (liga a tevê no Faustão, a que raramente assiste e o vê tocando com o Seu Jorge, depois tocou com Bocato) ; Geraldo Olivieri, (músico também de orquestra famosa); Cláudio Torrezan (contrabaixo na OSESP), Paulinho Pianista (este renomado músico e arranjador, de artistas famosos, mas não chegou a ser aluno do Zé Renato).
Ainda quanto aos artistas pelos quais tem admiração, cita Gauguin, Kandinsky, Cézanne, Van Gogh, (que são coloristas fantásticos, além de desenhistas incríveis, gênios), Picasso, pela versatilidade, Paul Klee, Pollock (só de assistir a forma dele pintar é um deleite). Admira, todavia, também, a arte rústica, insana, do brasileiro Arthur Bispo do Rosário, toda ela produzida enquanto interno em manicômio. "E admiro Arthur do Rosário, exatamente pela sua espontaneidade, liberdade de criação, ausência de vínculo com a sociedade e até mesmo com a realidade", destaca Massato. O artista produzia a sua arte para si mesmo, sem a preocupação de ganhar dinheiro, ou de conquistar a fama, criando de maneira, peculiar, e foi certamente um dos mais versáteis dentre os artistas brasileiros.
"Quanto à influência em minha arte (sobretudo em minhas esculturas), embora seja autodidata e tenha sempre rejeitado 'influências' reconheço a de um outro doido, que conheci em hospital psiquiátrico de Marília, aonde fui para me formar como 'instrutor de formação de mão de obra' para ministrar um curso conhecido como TWI - Training Within Industry. Ali tive conhecimento de um excepcional trabalho oferecido por um hospital espírita, onde existia uma oficina de cerâmica, além de outras oficinas, como de pintura, carpintaria, artesanato, rádio, jornal etc.", testemunha Massato.
Um dos ceramistas era um alienado mental, mas que se tratava de um artista de notável habilidade - ele produzia cerâmica e modelava vasos sem o auxílio de torno, o que é dificílimo. Massato observou que ele utilizava de relevos nesses vasos, acrescentando detalhes minuciosos, arabescos, reproduzindo cenas do antigo Egito, técnica a que Massato passou a aplicá-la sem tanto receio, adicionando detalhes (relevos) que me dessem a certeza de que não desgrudariam no processo de queima da argila.
Participou de diferentes mostras, entre as quais Mostra coletiva no Senac de Araçatuba... (menção honrosa); Coletiva em Penápolis com Maurílio Gallopi dos Santos (escultura em madeira e entalhe), Marcos Fillipin (xilogravuras), José Henrique Soares Domingues (fotografia), Veleida Fona (pintura); Individual de Escultura, na Itaú Cultural de Penápolis; Vieira Vida e Obra, no Museu Pateo do Collegio (esculturas e assemblagens em papel, capa de livro) de outubro de 2008 a fevereiro de 2009; Exposição de Charges sobre Orquídeas em Belo Horizonte (em abril de 2008, em parceria com a SOBH-Sociedade Orquidófila de Belo Horizonte, ACW-Associação da Cattleya Walkeriana e Associação Nipo-Brasileira de Belo Horizonte, no ano do Centenário da Imigração Japonesa); Mostra Coletiva com John Dennis Howard, Massato Ito, Mildred Pacitti Rocha, Sílvio Russo, em 2012, semana da inauguração do Teatro Castro Alves; Exposições de peças em feiras (como Feira de Turismo Estadual, em 2010), estandes da Prefeitura Municipal, gestão Cido Sério etc. e mostras em praça pública de Penápolis, além de cenografias para peças teatrais
"Entendo por Arte um fazer em que você pode se expressar livremente, sem se preocupar com a opinião pública, com o “retorno” financeiro e muito menos com a 'crítica especializada'. Minha arte é funcional, suplementar e só existe em função de um objetivo específico. Nunca fiz um quadro para dependurá-lo em uma parede, não me considero artista, tenho muita preguiça em produzir...sou do tipo fogo de palha, que produz alucinadamente por vários dias, trabalhando às vezes até de madrugada, e outras vezes, ficando até dez anos sem produzir nada... vários projetos com parceiros que aguardam pacientemente... meses, anos, décadas (rs)...e só funciono mediante “empurrão”.
Sobre o tratamento que dão às artes plásticas no mundo, vê que é proporcional à qualidade do governo de cada país. Quanto mais desenvolvido o país, melhor o tratamento que dão às artes. No Brasil, existem os mecanismos da Lei Rouanet e outras, a que os artistas têm pouco acesso por despreparo. O Brasil, por ser um país emergente, recém saído da miséria, tem outras prioridades. Está dando comida ao povo, mas vendo que só isso não é suficiente, já ensaia uma forma de propiciar cultura e lazer à população. Já está em andamento o “bolsa cultural” uma espécie de vale, que dará acesso às camadas mais pobres, de se incluírem aos consumidores de cultura.
"De nada adianta se produzir um espetáculo, um filme, uma peça de teatro, uma escultura se não houver público consumidor", considera Massato. Considera que tem muita gente usando “crachá de artista” indevidamente. Quanto ao “fazer artístico, sei que o produtor de arte quer ser recompensado pelo seu trabalho. Vejo que as políticas culturais pendem sempre para algumas modalidades de arte. Alguns ministros da cultura priorizam o cinema aparentemente concedendo orçamentos exorbitantes a cineastas que utilizam só um centésimo da grana oferecida, na execução de seus projetos. Escândalos passaram a se tornar públicos, não vamos citar nomes...Outros ministros da cultura priorizam a música, pelo fato de ser músico, concedendo benécias a componentes de sua “turma”, pagando vultosos cachês aos amigos e cachês pequenos a outros, (até mais qualificados que os bem pagos); outra ministra priorizou em demasia investimentos em montagens teatrais... Quem sabe quando tivermos um Ziraldo ou uma Tomie Ohtake ministros, o segmento das artes plásticas não seja favorecido?", pondera Massato Ito.
Com relação a presença das artes plásticas em Araçatuba e região, prefere se abster de tecer maiores comentários, apenas observa que aprecia pouca coisa do que é feito na cidade em termos de artes plásticas, cito os “ Paulos”: Paulino Poura, Paulo Roberto, Paulo Sebastião (o primeiro e o segundo são escultores, e o terceiro além de escultor, entalhador e pintor; as pintoras: Márcia Porto, Ângela Wischer, Renata Madeira e Fernanda Russo.
"Acho que temos grandes talentos mais em outras áreas. Na região, Penápolis sempre esteve muitos passos à frente em artes plásticas, porque tinha o Celso Egreja, que funcionava como uma espécie de mecenas, e investia com recursos próprios, se dedicava, trazia a Bienal de São Paulo para aquela cidade, com obras dos maiores nomes das artes plásticas no Brasil (Mabe, Tomie Ohtake, Megumi Yasa, Aldemir Martins, Grassman, Tozzi etc). Sem contar que a cidade tem o Museu de Arte Primitiva e Naif (melhor do país nesta especialidade ), Museu Municipal do Folclore e já sediou uma das mais importantes galerias de arte do país, a Itaú Cultural. Infelizmente o ciclo áureo da cidade entrou em declínio e quase tudo foi perdido.
Para o artista, o mundo precisa de arte assim como precisa de educação, saúde, esporte, alimentação. A arte de um povo é o seu alimento espiritual. A arte serve de parâmetro para se avaliar o nível de qualidade de uma civilização. Se a cultura é a cara de um povo, a arte é a sua “impressão digital”, compara o artista.
Sobre seu fazer artístico, diz que algumas obras surgem espontaneamente, sobretudo as esculturas, que via de regra não são projetadas. Decide o que vai surgir da argila à medida que vai testando a sua maleabilidade e qualidade. A decisão tem relação também com a quantidade de material disponível . Se for pequena, fica restrito a produzir peças não muito detalhadas.
Quanto ao processo de produção de um quadro (pintura) já é diferente; tudo é previamente estudado, desde a forma como buscará transmitir uma ideia, o material a ser utilizado, as cores escolhidas e como deverão exercer as suas funções, composição, equilíbrio, simetria. Mas tudo com relevo e textura (tridimensional).
"Como já mencionei, minha arte só existe em função de estímulos exteriores, de convites, ou de parcerias... A última, estou até agora esperando que se concretize, vinda de um grande artista que produz esculturas musicais, que conquistou a minha admiração, sobretudo pelo grande talento e infinita humildade. Enquanto eu participava de uma oficina deste artista, ele me falou, comentou, se eu me proporia a fazer, não me lembro bem se era capa ou ilustrações de um trabalho seu, que entendi, fosse um livro... Este projeto, espero, seja confirmado, além do projeto da capa e ilustrações do texto de André Luíz Mansur, (que tem coluna literária no Jornal O Dia, do Rio de Janeiro, já elaborado, só faltando finalização)... e cenário para o próximo show musical do César Menezes, Mauro Rico e Pepa (e de possíveis outros integrantes a serem convidados). Quanto aos meus trabalhos, ora produzo livremente, como em ilustrações ou capas de livros, ora seguem diretrizes, por exemplo, quando se trata de cenografia para teatro", confidencia Massato.
Sobre viver da arte, diz que não vive dela. "Via de regra, sempre tenho prejuízo. Tenho que botar material, dinheiro do bolso...Acho que até hoje só recebi por um presépio gigante que ficou exposto no MultiShop e por uns Papais-Noéis que fiz para o Arthur Leandro Lopes, bons pagadores", destaca. Quando seu trabalho atinge patamares de qualidade que impõe a si mesmo, sente-se realizado, embora sempre exista a sensação de que poderia ter ficado melhor. E o fato de não ter o lucro como foco não significa que ele encare a arte como hobby, muito pelo contrário.
Bom, isto foi um pouco do que esse grande artista tem oferecido para Araçatuba e para o Brasil. Espero, que como eu, tenham gostado de conhecê-lo. Um forte abraço e até semana que vem.