Antonio Luceni
aluceni@hotmail.com
Os desagravos do título foram
proferidos em momentos distintos da história brasileira, mas por dois políticos
de igual perfil: além de fazerem parte do mesmo partido, ambos amantes e
colaboradores da Ditadura Militar brasileira. Mas eles são coerentes com o que
falam e vivem; por essa razão não devemos hostilizá-los. Agora, aceitar o que
eles falam passivamente, como se estivessem proferindo algo como “eu não como
chocolate porque não gosto”, isso não é humano.
O tal “estupra, mas não mata” –
ainda que sob pressão –, acabou por reconhecer o tamanho da burrada dita por
ele e se desculpou publicamente, avaliando que talvez tenha sido a consideração
mais “infeliz” que tenha proferido em sua vida. Já o “não merece ser estuprada”,
não; é arrogante e altivo; nem humildade tem em reconhecer que errou. Esse –
resquício da truculência ditatorial – é mais atrevido, mais desrespeitoso; e
não está nem aí para o ser humano: fala mal de gay, de negro, insulta mulher e,
talvez, só não se atreve a falar mal de idoso e criança porque nenhum destes “pisou
em seu calo”.
Desde a Grécia Antiga o conceito de
liberdade defendido por Platão preconizava a possibilidade de o indivíduo dizer
e fazer o que quisesse mas, pelo bem da coletividade, não dizê-lo ou fazê-lo.
Em nome da tal “imunidade parlamentar”, fala-se o que quer e o que não quer; o
que precisa e o que não precisa; o que deveria é o que não deveria ser dito;
fala-se demais.
Os censores de outrora que
consideravam um poema, uma música ou uma peça teatral nocivos à sociedade e que
gostavam de calar todo mundo, hoje se acham no direito de sair falando pelos
cotovelos o que vier às ventas. Confundem a liberdade de expressão com direito
de proferirem despautérios e estapafúrdios. Não querem se sentir acuados; não
querem se sentir intimidados frente ao que quer que seja, sobretudo a um grupo de
civis que defendem direitos humanos. (Isso porque o que sabemos e ao que temos
acesso a saber é infimamente menor ao que de fato aconteceu e que eles,
militares e seus aliados da Ditadura, conhecem.
Quantos deputados se levantaram
contra o discurso do “etupra, mas não mata” e do “não merece ser estuprada”?
Poucos; muito poucos. E por que não se indignaram? Quantos de nós nos
indignamos frente a esse tipo de situação? E por que não nos indignamos? Ficam estas
perguntas no ar.
Nem estupra nem mata; não merecemos
ter os ouvidos estuprados com tantas aberrações, com tantas afrontas contra o
ser humano por pessoas públicas que se dizem representantes da lei, que são
responsáveis por pensar em formas e encaminhamentos para um Brasil mais justo,
respeitoso e adequado para todos. Um representante do povo que não sabe (ou não
quer saber) o que dizer e, por pura vaidade pessoal ou inconsequência, sai
dizendo o que pensa sem medir as palavras não merece a função social que tem;
merece, isso sim, ser cassado e destituído de seus direitos políticos
perpetuamente.
Antonio Luceni é jornalista e escritor.