sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

“Estupra, mas não mata” ou “Não merece ser estuprada”

Antonio Luceni
aluceni@hotmail.com

Os desagravos do título foram proferidos em momentos distintos da história brasileira, mas por dois políticos de igual perfil: além de fazerem parte do mesmo partido, ambos amantes e colaboradores da Ditadura Militar brasileira. Mas eles são coerentes com o que falam e vivem; por essa razão não devemos hostilizá-los. Agora, aceitar o que eles falam passivamente, como se estivessem proferindo algo como “eu não como chocolate porque não gosto”, isso não é humano.

O tal “estupra, mas não mata” – ainda que sob pressão –, acabou por reconhecer o tamanho da burrada dita por ele e se desculpou publicamente, avaliando que talvez tenha sido a consideração mais “infeliz” que tenha proferido em sua vida. Já o “não merece ser estuprada”, não; é arrogante e altivo; nem humildade tem em reconhecer que errou. Esse – resquício da truculência ditatorial – é mais atrevido, mais desrespeitoso; e não está nem aí para o ser humano: fala mal de gay, de negro, insulta mulher e, talvez, só não se atreve a falar mal de idoso e criança porque nenhum destes “pisou em seu calo”.

Desde a Grécia Antiga o conceito de liberdade defendido por Platão preconizava a possibilidade de o indivíduo dizer e fazer o que quisesse mas, pelo bem da coletividade, não dizê-lo ou fazê-lo. Em nome da tal “imunidade parlamentar”, fala-se o que quer e o que não quer; o que precisa e o que não precisa; o que deveria é o que não deveria ser dito; fala-se demais.

Os censores de outrora que consideravam um poema, uma música ou uma peça teatral nocivos à sociedade e que gostavam de calar todo mundo, hoje se acham no direito de sair falando pelos cotovelos o que vier às ventas. Confundem a liberdade de expressão com direito de proferirem despautérios e estapafúrdios. Não querem se sentir acuados; não querem se sentir intimidados frente ao que quer que seja, sobretudo a um grupo de civis que defendem direitos humanos. (Isso porque o que sabemos e ao que temos acesso a saber é infimamente menor ao que de fato aconteceu e que eles, militares e seus aliados da Ditadura, conhecem.

Quantos deputados se levantaram contra o discurso do “etupra, mas não mata” e do “não merece ser estuprada”? Poucos; muito poucos. E por que não se indignaram? Quantos de nós nos indignamos frente a esse tipo de situação? E por que não nos indignamos? Ficam estas perguntas no ar.

Nem estupra nem mata; não merecemos ter os ouvidos estuprados com tantas aberrações, com tantas afrontas contra o ser humano por pessoas públicas que se dizem representantes da lei, que são responsáveis por pensar em formas e encaminhamentos para um Brasil mais justo, respeitoso e adequado para todos. Um representante do povo que não sabe (ou não quer saber) o que dizer e, por pura vaidade pessoal ou inconsequência, sai dizendo o que pensa sem medir as palavras não merece a função social que tem; merece, isso sim, ser cassado e destituído de seus direitos políticos perpetuamente.


Antonio Luceni é jornalista e escritor.