Antonio Luceni
Será que dará tempo de dizer que “eu te amo”?
Será que dará tempo de consertar aquela porta enguiçada que faz tanto barulho à noite? Aquela torneira que não para de pingar e que me está tirando do sério? Aquela rachadura que não há quem a segure, será que vai dar tempo de consertar?
Será que vai dar tempo de tirar a roupa do varal, terminar o almoço, levar o filho pra escola, pagar as contas no banco, montar a mesa para o jantar à luz de velas, me depilar e fazer cara de sex?
Será que dará tempo de desfazer os meus erros, insistir nas minhas ideias loucas, resolver os problemas do mundo, quando nem consigo dar conta dos meus?
Será que dará tempo de buscar novos ares, ler coisas novas, experimentar outros sabores, viajar, mergulhar, terminar os meus croquis, riscar a porcelana, concluir aquele xale, fazer musculação?
Será que haverá tempo pra ficar mexendo esse angu, enquanto tanta coisa acontece lá fora?
Será que o tempo terá pena de mim e irá me dar um tempo para eu poder resolver os meus grilos, retomar minha jornada e ser feliz?
Será que haverá tempo para as coisas bobas, para os gestos fúteis, bocejos, um tempinho a mais na cama, ficar olhando para o aquário, ver figurinhas nas nuvens, fazer espuma no leite, cortar as fatias de bacon bem fininhas, aproveitar o leite estragado para fazer doce?
Será que o meu sonho maior está sendo construído nesse exato momento de tempo?
Tomara que se comova com meu afeto de amor.
Tomara que os sons que me atormentam virem música boa para meus ouvidos.
Tomara que o sol seja intenso, mas que o vento alivie esse dia de calor e seque a roupa do varal. Se chover, que seja então somente uma garoinha, daquelas que não molham nada, só umedecem o ar.
Tomara que as pessoas não sejam tão criteriosas comigo, que me deixem errar, que me ajudem a suplantar meus erros e que eu também possa aprender com eles.
Tomara que não acabem com o mundo, que a Torre Eiffel fique no lugar dela, que o Coliseu fique intacto, que a Estátua da Liberdade pare de pé, que os vinhedos e campos de lavanda continuem florindo, que as pirâmides do Egito não se diluam, que não acabe o salmão no mar.
Tomara que tenhamos livros à mão cheia, boas ideias na cabeça, muita cor, muitos passos a dançar, muitas notas musicais invadindo nosso ar...
Tomara que o sorriso de criança, o cheiro de terra molhada, tapioca, mugunzá, vatapá, angu, churrasco e pururuca, um abraço, um amigo sejam sempre bons motivos para gente viver e sonhar.
Tomara que a gente se ajeite.
Tomara que a gente se aceite.
Tomara que tanto os de lá, os de cá e os que não querem em nenhum lado ficar, sejam mais tolerantes, se não cúmplices, militantes do amor, da paz e da fraternidade.
Eu acredito que podemos ser felizes.
Eu acredito que em nós está a solução.
Eu acredito na capacidade que temos de nos reconstruirmos, de fazermos diferentes, de plantarmos a semente, regar, cuidar e colher o fruto que nos fazer ser humano de verdade.
Eu acredito na fé que vem de Deus, que muitos o chamam de seu, mas que não o atendem quando diz: “amai, tolerai, acolhei, abençoai...”
Antonio Luceni é mestre em Letras e escritor. Membro e Diretor da União Brasileira de Escritores – UBE.
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