domingo, 7 de novembro de 2010

Monteiro Lobato: um provocador


Antonio Luceni
aluceni@hotmail.com

Monteiro Lobato sempre foi um grande provocador, e no melhor dos sentidos. De personalidade forte, não media palavras quando tinha que expor aquilo que pensava ou achava do que quer que fosse.
Sempre com posturas arrojadas, foi pioneiro em dizer sobre a presença de petróleo em terras brasileiras, em combater o militarismo, em propor a independência de pensamento, de ideais, da conquista do humanismo contra a coisificação de massas e do capitalismo desenfreado. Pagou preço caro por isso.
Há algumas semanas, discutíamos num grupo de estudo em leitura sobre a presença de racismo em sua obra, inclusive sendo citados trechos de um de seus livros em que fazia uso de palavras fortes ao se referir ao negro, por um dos participantes.
Propus a reflexão:
Quem, das personagens lobateanas, representa o próprio Lobato? Emília, é claro. Quem foi que fez a Emília? Tia Nastácia. Uma negra, não é mesmo? Pois é, Monteiro Lobato escolhe uma negra para que crie a personagem a partir da qual irá ser sua porta-voz. E onde está o preconceito, então?
Além da Tia Nastácia há outros tantos personagens negros em suas histórias: Tio Barnabé e o Saci, por exemplo. Aliás, este último foi objeto de um grande concurso e pesquisa promovidos por ele à frente de um grande jornal da época.
Nesta semana publicou-se uma série de matérias sobre a possível censura de um de seus livros por acharem elementos de preconceito racial nele. Não se deram conta de que quando fala por meio de seus personagens não é o próprio Lobato quem está falando. Também não foi levado em consideração que, ao dar a voz a uma personagem – sobretudo à Emília, subversiva e reacionária, – está, de certo modo, nos provocando. Afinal, será que o preconceito racial, entre tantos outros, ainda não sobrevive em nosso meio, ainda que de forma velada?
Pois é, o que Monteiro Lobato faz é colocar na boca de Emília aquilo que nós (e coloco no plural como forma de representar um pensamento coletivo e não por concordar com isso) gostaríamos de falar e, por hipocrisia, não falamos. Sendo assim, mesmo em também ele não comungando com tais ideias, lança luzes sobre o tema e nos provoca a discussão. Até nisso foi visionário. Enxerga “petróleo” onde ninguém acha que tem, mas existe, sob quilômetros de profundidade, mas é só escavar pra ver.
Se haverá censura para Lobato, então que peguemos todos os livros, incluindo os mais sagrados e queridos, e verifiquemos se há neles preconceito contra mulheres, contra crianças, contra os negros, contra os homossexuais, contra os judeus, os evangélicos, os umbandistas, contra o que quer que seja e saiamos a colocar tarjas sobre eles: PROIBIDO, RESTRITO A..., INADEQUADO PARA...
E ainda dizem que vivemos num País democrático.


Antonio Luceni é mestre em Letras e escritor, membro da União Brasileira de Escritores – UBE e Diretor do Núcleo UBE Araçatuba e Região.

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