terça-feira, 7 de junho de 2011

PRIMAVERA


Antonio Luceni



Há um tipo de primavera, aquela flor bastante popular que encontramos nas casas de ricos e pobres, enfeitando caramanchões luxuosos e pequenas latadas (é assim como são conhecidos em áreas pobres) que, não sei por que nem para que, causa-me emoção ao vê-la.

Aí, caí na besteira de partilhar dessa impressão com um amigo, o Fernando Batalha. Ele se esborrachou de rir. “Onde já se viu, ficar emocionado com uma planta?”. Na hora, ri junto com ele e, agora, toda vez que passo diante de uma primavera, lembro-me da situação. (Assim como os campos de trigo de “O Pequeno Príncipe”, a mim me são as primaveras).

Depois, fiquei matutando sobre a situação. As emoções, sentimentos e sensações estão à nossa volta o tempo todo e não os percebemos. Também, parece, que há que se sentir e ver determinadas coisas e ficar com elas guardadas, no processo de ruminação a que nós, animais racionais, não estamos acostumados.

Uma outra ideia me veio à mente: a de que o que pode parecer significativo para mim, não o é para todos (grande descoberta, não é mesmo?!). Pode até ser óbvio demais, mas na prática, não é assim que funciona. Por vezes queremos impor uma estética ou um padrão de cultura, de literatura, de cinema, de música, de dança, de teatro e de outras tantas expressões que, por mais bem-intencionadas que sejam, às vezes não correspondem às expectativas do fruidor.

Desse modo, quem sabe, há que se ter em mente, então, que o “cardápio estético” deve ser variado, que os “sabores” postos à mesa devem ter lá seus amargos e doces, azedos e ácidos, traventos e gelatinosos para poderem satisfazer aos mais diferentes e exigentes paladares. (Por mais que queiram fazer-nos descer goela abaixo temperos indigestos).

Um pássaro voando, uma criança dormindo, um mendigo sob o sol ou frio castigador, pitanga chupada no pé, (jabuticaba, quem sabe?), pisar sobre gramado verde, sentir cheiro de terra em começo de chuva, arroz queimadinho no fundo da panela, uma risada gostosa... quantas coisas são possíveis de provocar nossa sensibilidade? Quantas ações são deixadas cotidianamente e que, certamente, causariam impacto em nossas vidas, fazendo-nos perceber o mundo melhor e contribuir com ele, com nossos semelhantes, com a vida, então?

Fico assim, como gato a perceber a presa. De olhos fitados no mundo, querendo absorver tudo, preciso de todos! E quantas coisas me emocionam. Quantas coisas também, por mais sutis que fossem, me fizeram sair do lugar, pegar num telefone, mandar um e-mail, dizer “eu te amo”, “tô com saudades de você”, “você é importante pra mim”.

É isso, então: vamos educar o olhar, educar o ouvido, educar o paladar, o tato, todos os sentidos. Quanto mais estivermos sensíveis para as coisas do mundo – por mais bobas que elas pareçam ser – também mais produtivos estaremos em nossa relação com o outro, com o meio, com tudo que está ao nosso entorno.

E tudo isso porque uma primavera me emocionou.

* Antonio Luceni é mestre em Letras e escritor. Diretor da União Brasileira de Escritores – UBE.
** Texto publicado originalmente no Jornal Folha da Região, 07/06//11, Caderno Vida, C2.

2 comentários:

  1. elainefantunes@yahoo.com.br8 de junho de 2011 às 18:41

    Professor também me emocionei com seu texto, nos faz refletir como estamos conduzindo nossas vidas e nossas relações diárias. Se estamos valorizando os pequeno gestos, os acontecimentos a nossa volta?! E as nossas emoções frente a tudo isto? Estamos deixando florescer estas emoções ou estamos ocultando para não sermo chamados de tolos, piegas ou bobos. Quero, mesmo sendo tola olhar a natureza e sorrir com o desabrochas das rosas, do brincar do animais; e nas noites estreladas declarar o meu amor ao meu princípe encantado. Tudo porque você me emocionou.

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  2. Que joia que você gostou, Elaine... continue acompanhando os textos do blog e indicando-os para seus contatos.

    Abração,

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