sábado, 22 de outubro de 2011

Algumas coisinhas que irritam e outras tantas que alegram


Antonio Luceni
aluceni@hotmail.com

A vida é cheia de contrastes.
O dia é pleno com suas cores e nuances. Os detalhes habitam no dia. A hora preferida dos impressionistas para captarem as múltiplas possibilidades da cor. Mas a noite também existe. Existe e encobre manchas, dissimula olhares, minimiza horizontes. É na noite que todos os gatos ficam pardos, que os ratos saem dos esgotos e passam a habitar a superfície. Há as pessoas do dia. Há também as da noite.
Em dia de sol a praia é uma boa companhia. Na ausência dela, piscina, ranchos, um chuveirão ou uma mangueira qualquer... Dia de sol é dia de churrasco, dia de encontrar amigos, de tomar sorvete, de passear no parque ou andar à toa pela cidade. Dia de chuva é dia de ficar em casa, ler um livro, dormir um pouco mais e várias vezes ao dia. É dia de organizar armários, de jogar caxeta ou truco, de ligar para amigos esquecidos ou apenas de ficar observando a chuva deslizar por sobre a janela.
A fruta é boa, doce ou azedinha, de porte grande ou minúscula e frágil. Sorvê-la é bom, mas há que se plantar a semente, regar a árvore para poder continuar a comê-la. Não é possível somente usufruir do fruto, é preciso suar a camisa e arar a terra.
A alegria não é para sempre, assim como a tristeza. A pele não ficará esticadinha o tempo todo, vai enrugar, queiramos ou não. A garrafa de vinho chegará ao final. O pote de sorvete vai acabar. A pintura vai ficar desgastada. A minissaia ficará perdida. Esse corpinho irá engordar.
A vida é cheia de contrastes, e isso é bom.
Por mais desagradável que pareçam e por mais inconvenientes que alguns contrastes possam se caracterizar, todos são importantes. Só conseguimos identificar a tristeza e alegria, o prazeroso e o desagradável, o dia e a noite porque ambos existem, porque cada um se constitui como limite do outro, como parâmetro do outro.
Assim, a partir dos vários contrastes que vão surgindo em nossa frente, podemos determinar o que nos alegra ou entristeca, aquilo que nos acolhe ou o que nos repele. É por meio do contraste que vamos nos posicionando frente às coisas do mundo: o pai manso à mãe brava; os 40 graus daqui aos 27 graus de lá; o tráfego lento, a proximidade das coisas e a cadeira na calçada à correria, congestionamento e distância.
O contraste é bom também porque, por vezes, não sabemos de que lado queremos ficar. Ou melhor: há momentos que preferimos um a outro lado. Por exemplo: jovenzinhos são mais chegados ao calor e a mostrar os corpos, em geral; já os mais velhos precisam mais de cobertores, e os corpos já estão mais em segredo do que em outrora. Então, o gosto é circunstancial. Então, o que seria se não houvesse o outro lado?
Aquilo que me irrita agora talvez fosse minha alegria de antigamente. E atenção: talvez, o que me irrita agora poderá vir a ser minha alegria de amanhã! Portanto, tolerância é a palavra-chave. Um pouco de mal, um pouco de bem, nem tanto ao sol, nem tanto ao mar, Deus e o diabo na terra do sol! E o veneno também vira antídodo.
Vida-caleidoscópio. Metamorfose ambulante. Yin e yang. Preto no branco. Cravo e canela. Queijo com goiabada. Arroz com feijão... É, cada qual com seu contraste. Cada com sua alegria e dor de ser aquilo que é.

Antonio Luceni é mestre em Letras e escritor, membro e diretor da União Brasileira de Escritores – UBE.

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