domingo, 16 de janeiro de 2011

600

Antonio Luceni

Outro dia escrevi aqui sobre os problemas que vários municípios enfrentam quando este período de chuvas chega. Sem mesmo presumir o terrível mal que assolaria nossa nação, já via coisas tristes.
Falei da minha experiência com as goteiras de minha casa sobre minha cabeça e de meus familiares. Disse também das noites quase-dormidas à mercê da chuva. Comentei sobre os sapos que tínhamos que chutar para atravessar a rua de casa alagada e dos dias trabalhados com as roupas encharcadas.
Triste, é verdade. Mas nada comparado com o que estamos ouvindo e vendo nos últimos dias. E aquele salvamento daquela mulher sobre a laje de sua (ex) casa? Coisa triste, não? Salva por uma corda improvisada, a partir da dedicação de dois vizinhos dispostos e corajosos. E aquele bebê de apenas seis meses de idade que ficou soterrado por mais de doze horas? Saiu assustado, impressionado com tudo aquilo, mas sem chorar, sem dimensionar tudo o que estava acontecendo, inclusive consigo mesmo.
Entre tantos outros casos igualmente marcantes para nós e, principalmente, para os sobreviventes e para os familiares dos mortos. (Corpos sendo enterrados às dezenas, em valas comuns, nos quintais de suas próprias casas).
Na primeira entrevista dada pela presidenta Dilma à impressa, disse uma frase com a qual concordo em gênero, número e intensidade: “No Brasil, a construção irregular não é exceção, mas a regra”. Por esse motivo que no artigo da semana passada afirmei que enchentes eram um assunto, entre outros, de questão política.
Lógico. O planejamento de uma cidade deve ser cuidado por seus gestores. Iluminação, esgoto, pavimentação, poda, limpeza de terrenos abandonados, adequação e uso de solo etc., etc. etc... E isso não é um problema deste ou daquele município. De modo geral, todas as cidades fazem vistas grossas para estas questões. Até ocorrerem fatos como os que estamos presenciando.
E podemos acrescentar à inércia de ações governamentais outros episódios sociais nocivos como a dengue, invasões de terras produtivas, o analfabetismo, a calamidade na saúde e segurança públicas da grande lista que poderíamos fazer aqui. Não são assuntos fáceis, é verdade, mas precisam ser encarados.
Também uma ideia louca, mas nem por isso inviável, me veio nos momentos em que eu pensava sobre esse assunto: por que os senadores, deputados e vereadores dos estados e municípios atingidos pelas chuvas não abrem mão de três ou quatro meses de salário e utilizam do dinheiro que recebem para construção de casas populares aos desabrigados da chuva? Não resolveria o problema, mas certamente faria diferença para as famílias que fossem contempladas. Melhoraria um pouco a imagem de nossos políticos e fariam jus ao gordo aumento que tiveram. Assistencialismo? Não. Coerência. (Para quem pensa que os referidos políticos ficariam sem salário, engano. Muitos deles têm o cargo político como uma “profissão” paralela).
O que tem de 600? O número aproximado de mortos até o momento. Mas não são apenas um número, não. São vidas que deixam saudades e um rastro de amizade, um cheiro na camisa, uma risada inimitável entre tantos outros gestos na memória dos que ficam.

Antonio Luceni é escritor e Coordenador Regional da União Brasileira de Escritores – UBE.

2 comentários:

  1. Idéia louca mesmo Antonio...imagine...estás sonhando....acorda amigo...
    Ah...e quanto aos cometários no meu blog,fique tranquilo...agora quem aprende aqui sou eu...ehehehhehehe....

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  2. Ê bravo amigo! Obrigada pela visita. Não tiro culpa de ninguém, nem a minha, nem a do governo, nem a das próprias vítimas.

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