domingo, 13 de março de 2011

UM LEVE AMARGO NO FINAL

Antonio Luceni
aluceni@hotmail.com

Desejava-lhe há muito. De longe a observava fazia alguns dias. Não tinha coragem de se aproximar dela. Não. Talvez fosse mais cuidado e prevenção do que falta de coragem. Na verdade tinha medo que outros a estivessem pretendendo também. Então, naquele momento o mais correto seria aquilo mesmo. O olhar distante, o cuidado pastoreiro, como se a livrá-la dos lobos de plantão.
Você já deve ter desejado uma assim também. Deve ter dormido e pensado nela. O receio de que alguém se apossasse dela antes de você deve ter-lhe causado insônia, talvez. Todo mundo já ficou com uma coisa assim na cabeça, com uma pulga atrás da orelha. Não venha me dizer que não...
No outro dia, mal lavado o rosto, a busca:
- Que linda! Que sedutora! Vamos ser honestos: Que gostosa!
Gostosa era apelido. Talvez não existisse uma como ela num raio de quilômetros dali. Cada qual tinha seus pensamentos sobre a gostosona. Uns a queriam despir devagarinho, como uma odalisca na dança dos véus. Outros a queriam amassar, pressioná-la em dedos por toda parte e, depois de derretida, chupá-la inteira. (Não vamos fazer mais descrições por estas linhas para não ultrapassarmos os limites dos bons modos.)
Dia a dia, semana após semana, uma espera incansável.
- Mas quando será que estará pronta, meu Deus?! Eu não aguento mais de desejo.
Certamente este seria o comentário mais recorrente na cabeça dos que a desejavam. Talvez passassem outros. Talvez mais comportados. Talvez mais atrevidos. Mas a verdade era uma só: quem não a estava querendo comer? (Meu Deus! Tinha jurado a mim mesmo que não chegaria a esta situação. O cúmulo do despojamento, do desapego, do moral... O que é que um homem não faz por uma gostosa. Perde a razão, o controle das coisas, entre as quais, de si mesmo).
- Mas que se dane. Tô a fim dela mesmo. Vou chegar rasgando o verbo. Vou partir pra cima. Doa a quem doer. E se alguém ousar entrar em meu caminho não sei do que serei capaz.
O coitado já tinha perdido a razão mesmo. Estava dominado pelo instinto. Um instinto primitivo, dos mais primitivos primatas. O de saciar sua fome. O de refestelar-se com o pecado da gula. E não se conteve. Partiu pra cima mesmo.
Uns tentaram impedi-lo mas, como prometido, não os respeitou. Outros, de longe, tentaram pela última vez persuadi-lo, dizendo que não era tempo, que esperasse mais um pouco. Mas ele não quis saber.
De pau na mão foi logo agindo sem entremeios: bateu com força na frondosa mangueira e a derrubou.
Poft! O estalo seco produzido com a queda logo indicava a sua condição: ainda de-vez. Não se importou, rasgou-lhe a casca com a boca mesmo e deu a tão desejada mordida.
Ao invés de doce, um leve amargo no final.

Antonio Luceni é mestre em Letras e escritor, Diretor de Integração Regional da União Brasileira de Escritores – UBE.

4 comentários:

  1. Ola Antônio, achei muito engraçado este texteo, e realmente ele nos arremete ha um tempo não tão distante. Ri muito porque me identifiquei com ele lembrando de quantas vezes na vida eu tambem tive vontade de pegar e comer daquela manga que estava mais distante e fora do alcance. Parabéns e muito obrigado pelo texto de hoje. Abraço fraterno.

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  2. Valeu, anônimo... continue acompanhando as postagens semanalmente... abração.

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  3. Obrigado pela visita ao Arqueologia da Alma! Vim retribuir a gentileza.
    Gostei muito do seu blog e da forma como você escreve!
    Bom saber que temos muitas coisas em comum, além de sermos cearenses.
    Abraços.

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  4. Legal, Hérlon... continue acompanhando o blog... abração,

    Antonio

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