quarta-feira, 1 de junho de 2011

RUM RUM


Tito Damazo


Um tiro torto fora do alvo da mira. A bola perdida estatelou-o no chão. Chapéu ao vento, longe. Quinquilharia de saco em nódoas impregnando o chão. Tufo de barba empapada de ar. A calva avermelhada contrastando com o todo de um corpo cobre. No campo, muita risada.

Mas foi um lampejo. Súbito, as pernas inchadas e trôpegas tropeçaram em direção à bola aninhada numa touceira.

Agredido e agressora. O campo ainda uma pura expectativa acompanhou Rum Rum. Ele olhou. Viu-se o centro das atenções. Apanhou a bola com as duas mãos e soergueu-a como quem a ofertasse aos espectadores. Riu estragado, roufenho. Uma gargalhada de boca de dentes roídos.

Um impaciente gritou que ele devolvesse logo a bola. Rum Rum sorriu. O inchaço direito arqueou preparando-se. Largada, a bola veio ao seu encontro. O pé surpreendentemente ágil movimentou-se como se fosse desfechar um chute de volta.

Mas não. Tocou-a apenas. E por segundos o campo, em estupefato silêncio, acompanhou as embaixadas de Rum Rum que a bola tocava feito um craque. Depois, desferiu arrojado chute ao meio do campo.

Entusiasmado, rapidamente reensacou sua casa esparramada, depô-la ao pé de uma mamoneira, dobrou as barras das calças e entrou batendo palmas pedindo que lhe passassem a bola. Enxotaram-no. Ele começava a atrapalhar o treino. Rum Rum, no entanto, não se dava conta disso.

Mediante aquilo, e como a tardezinha era mínimas réstias de sol, o treino foi encerrado. Mas Rum Rum ainda era o espetáculo. A testa de jambo lisa batia na bola com certa elegância e graça. E a bola ia da cabeça aos pés, dos pés à cabeça.

Rum Rum fora craque, a conclusão geral rolou. E a atmosfera passou de zombaria a silente respeito, que Rum Rum, risonho, candidamente brincando com a bola sequer suspeitara. Naqueles minutos era ele e a bola. Brincava com a bola como uma criança dona de seu mundo. Tudo, naquele instante, lhe era grato. Às perguntas, às sutis ironias e zombarias, a tudo respondia com um gutural “rum rum”.

Daí, vez em quando, em treinos ou jogos, surgia. De onde vinha? Onde morava? Ninguém sabia. Intuíam que viesse de lugar nenhum. Não ia para lugar nenhum. De certo tampouco morava. Era mais um andarilho que ali aparecera e reaparecia, porque foi bem acolhido e não evitado, ignorado e rechaçado como devia ser seu cotidiano. Em vez de prováveis latidos de cães bravios tratados a ração, banho e tosa. Em vez de caras fechadas e olhares desdenhosos (“a gente dessas, se se der as mãos, querem logo os pés”). Em vez de “não”, viu, para ele!, rostos cheios de risos; ouviu, para ele!, palavras de incentivos; ouviu palmas!

Reaparecia. Ganhava atenção, brincava, fazia embaixadas, ganhava novos aplausos, assistia com os demais ao jogo. Depois ia, daqui a pouco retornaria.

Como chamá-lo? Não falava, somente tartamudeava: rum rum. Então ficou sendo Rum Rum.


Tito Damazo é Doutor em Letras, poeta e escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras (AAL) e da União Brasileira de Escritores (UBE).

2 comentários:

  1. Pode-se dizer que um bom texto é aquele que nos vemos e nos reconhecemos nele.
    Um apelido não se autodenomina, mas se ganha ou se conquista.
    Seu texto me fez lembrar de um personagem de Guimarães Rosa, qual seja, Joãozinho Bem-Bem, personagem este que o outro personagem Riobaldo (de Grande Sertão: Veredas), admirava, e que, o ajudou a vencer o inimigo pegando-o pelo flanco que este menos esperava, ou seja, o deserto dos campos gerais, até então intransponível, façanha esta, que nem o grande chefe Joca Ramiro, pai de Diadorim, conseguira realizar, sendo que, o imortal e original escritor e “antropólogo” Guimarães Rosa, ainda, deixa entrever, nesta sua monumental obra, que somente Riobaldo, Diadorim e seus aliados conseguiriam fazer.
    Sim, gostaria de poder tomar para mim esse cognome ou adnome de Rum Rum, acrescentando a um dos meus nomes essa alcunha conquistada com muito amor, muita dor e muita aflição. Exemplo: Fulano Rum-Rum, ou simplesmente, Fulano Rum, que tem a pretensão em ser Bom Bom em alguma coisa ainda, menos na literatura, por motivo óbvio a nós todos.
    O que dói não é ser alvo de zombarias de pessoas absolutamente por mim estranhas e desconhecidas, mas sim, amar uma pessoa como se ama uma filha, ou uma afilhada muito querida, e saber que, não se significa absolutamente nada para ela. Isso dói muito mesmo. Mas em compensação, ela, juntamente com o professor Antônio Luceni, me deram, sem querer e sem saber, a oportunidade de reverter a tempo, uma imensa injustiça que estava prestes a cometer contra mim mesmo e contra uma mulher de que preciso muito, pela qual, já havia desistido. O que me traria um grande prejuízo físico e espiritual, insanável pela eternidade a fora. Purgação, purificação e amadurecimento.
    Não foi tempo perdido, ao contrário, foi um tempo achado, e mesmo que o professor Antônio Luceni e minha querida e demais estimada “afilhada” Lívia Jacob Veiga não me aceitem como amigo, não me importa mais, porque os tenho em conta como dois anjos bons, severos, mas, coerentes, como tiveram que ser, e, não entendendo bem os caminhos sinuosos de Deus, de repente, apareceram na minha vida.
    Gostaria ainda de lembrá-lo, que no idioma inglês, onde tudo fica mais bonito, como bem sabemos, Rum também é um adjetivo que significa: estranho, singular, ótimo.
    De qualquer forma, parabéns e obrigado.
    Glória a Deus!
    Aumentai a minha fé.
    Buscando um ideal, um ponto ideal!


    Nossa Gente

    Nossa gente é gente humilde
    e que nunca leu um só livro
    e que nunca fez um só curso
    e que inventa palavras sem medo;

    Que trabalha pobre para o seu avesso,
    feliz com seus improváveis interesses,
    honesta, com seus nomes sujos no Serasa,
    estranha às ricas invenções de seus chefes;

    E que não sabe bem manusear com os garfos,
    e que não aproveita muito beber água em copos,
    tendo em suas marmitas o que lhes bastam.

    Seu mundo é mais que o sertão fundo e sensaborão,
    comprando produtos neo-orientais e quase exóticos,
    made in china e não made in micro-cosmos.

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  2. Samurai
    Djavan
    Composição : Djavan


    Aaaaaiii...
    Quanto querer
    Cabe em meu coração...

    Aaaaaiii...
    Me faz sofrer
    Faz que me mata
    E se não mata fere...
    Vaaaaiii...
    Sem me dizer
    Na casa da paixão...

    Saaaaii...
    Quando bem quer
    Traz uma praga
    E me afaga a pele...

    Crescei, luar
    Prá iluminar as trevas
    Fundas da paixão...

    Eu quis lutar
    Contra o poder do amor
    Cai nos pés do vencedor
    Para ser o serviçal
    De um Samurai
    Mas eu tô tão feliz!
    Dizem que o amor
    Atrai...

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