Antonio Luceni
aluceni@hotmail.com
Como me custou
para entender isso: a vez e a voz de alguns passam por determinados contextos.
Ainda bem, aprendi.
Aprendi que,
por exemplo, o pobre não tem muita vez não. Lugar de pobre é na cozinha, nos bastidores,
nas senzalas, nas minas e porões... “Mais lenha, precisamos de mais lenha...”,
enquanto a primeira classe toma seus drinks em copos de cristal e comem suas
iguarias em pratos de porcelana e talheres de prata.
Aprendi,
também, que a voz de pobre só é ouvida em audiências que lhes são impostas ou
mesmo como forma de delatar alguém ou o que quer que seja. Na verdade não é a “voz”
o instrumento ou o sentido mais prestigiado do pobre; são as mãos. As mãos que
amassam o pão, que trituram o trigo, que traçam cimento e cal para encher as
colunas e as vigas dos edifícios de luxo que abrigarão privilegiados e que, se
um dia ali o pobre entrar, também será para manutenção de banheiros e pias,
escadas e corrimões...
O importante de
tudo é continuar aprendendo, sempre, porque a vida é uma grande escola e, como
disse o poeta, a beleza é ser um eterno aprendiz.
Nesta época do
ano, em que todos descem para avenida sambar, o pobre tem vez, o negro tem vez,
os analfabetos têm vez... As telas de tevês de todas as emissoras, abertas e
pagas, dão vez para o pobre. Nelas são escutadas suas vozes, nelas estão suas
crianças, mulheres, jovens e velhos, até deficientes físicos aparecem por lá...
Nesta época do
ano se juntam todos, não importa a classe social, não importam quantos diplomas
estão pendurados na parede, não importa se a fantasia veio de um barracão, se
rodou de busão a cidade inteira, se veio das mãos de uma preta velha, não... É
hora de se colocar na mesma “condição de todos, de se irmanar, de abrir os
braços e festejar a alegria, a dança, as cores, as luzes, os contextos”...
Mas o problema
é que chega a quarta-feira de cinzas, e todos vão cada qual para seu canto,
cada qual com seu desencanto viver a vida real. A patroa agora ganha ares de
esnobe e a empregada, que na noite anterior era rainha da bateria, que era
aplaudida pela madame, agora põe o avental preto e branco e retorna à sua
condição de serviçal, de ignota social, transparente cidadã.
Mas se a quarta-feira
é de cinzas, há esperança também. Tal qual a fênix da mitologia grega, todos
poderão renascer destas cinzas e, no próximo carnaval, retomar a realeza,
restituir o reinado, ser aplaudido de pé de novo, nem que por alguns minutos.
O samba não pode
morrer. O samba não vai morrer. O samba é uma das poucas esperanças que o pobre
tem de poder brilhar, de ser prestigiado, de ser coroado rei. O samba é arte, e
só quem lida com arte sabe o quanto bem ela faz.
Antonio Luceni é mestre em Letras e escritor. Membro e diretor da
União Brasileira de Escritores – UBE.
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