domingo, 23 de janeiro de 2011

457

Antonio Luceni

Devia ter uns 6 ou 7 anos quando fui para lá. 6 anos, isso, eram 6 porque meu irmão mais novo, o Lucivan, era bebê ainda. Fomos morar, como muitos nordestinos, na periferia da cidade, nos fundos da casa de um tio meu, num casebre minúsculo de dois cômodos e um banheiro. Imaginem só: uma família de sete pessoas, com cinco crianças, morando num aperto de 3 metros por 8. Era uma prisão horrorosa.
Éramos livres aos finais de semana, como prisioneiros em condicional. Íamos para casa de outros parentes que, assim como nós, tinham seus gestos emoldurados e contidos também por margens geográficoarquitetônicas. Liberdade, então, era apenas no percurso, feito em sua maioria a pé, já que o dinheiro do ônibus era para ser economizado.
Quando começamos a estudar, nosso quintal era o pátio da escola. Corríamos feito loucos para lá e para cá. E sempre tinha uma inspetora ou até mesmo uma servente ou zelador para tolher nossos voos: “Parem de correr seus pestinhas”.
Mas a verdade é que não consigo me desligar dela. Por mais preso que fôssemos, por mais precariedade que sofremos (e não foram poucas), não sei, alguma coisa de mágico sempre me atraiu para ela. Talvez suas próprias dimensões emanassem essa sensação de liberdade, ou ao menos a possibilidade para tal.
Lembro-me de uma situação, que hoje me causa riso ao revivê-la, em que num dos poucos e raros dias de passeio mais distante de casa, meu pai nos levou a brincar num parque. Na minha memória de infância havíamos subido em uma escada enorme, com infinitos degraus, povoando meus sonhos três por quatro. Hoje, quando volto para lá, rio sozinho: não passa de 3 metros! (A verdade é que sempre fui baixo demais!).
Nas minhas idas e vindas ao longo destes anos, cada vez que estou por lá é uma alegria renovada: gente nova, lugares novos, sempre em obras, como se vivesse numa espiral infindável (acho que isso é pleonasmo!) de se renovar sempre. A ideia de estar numa fila qualquer e ouvir gente falando em francês, inglês, alemão e tantas outras línguas que nem sei distinguir nacionalidade, é divina. Um mundo inteiro em um só lugar: nas comidas, no jeito de se vestir e postar, na arquitetura, no mendigo e crianças cheirando cola, nas piadas de feirantes e ambulantes, e nos blindados e grifes caras...
São Paulo é múltipla e, por isso, aceita a diversidade. Há quem fale mal dela, há quem a apedreje, há quem reclame de seus barulhos e vai-e-vem hipnotizante e cambaleante, mas a verdade é uma só: é o coração do Brasil. Este final de ano estava em Minas e, por conta das chuvas e enchentes que ocorrem nos dois estados, quase não encontrávamos nada de carnes e hortaliças nos mercados mineiros. “Por que tá tão ruim assim pra comprar?”, foi a pergunta. “É que os caminhões de São Paulo estão atrasados, moço.”, respondeu o açougueiro.
Não tenho terra a que me apegue. Já me defini muitas vezes como “vira-lata”. De nascimento sou nordestino, fui criado na capital, estudei e trabalho no interior de São Paulo e do Mato Grosso do Sul, portanto não crio raízes. Mas se tivesse que eleger um lugar onde plantaria meu umbigo certamente seria São Paulo.
Nesses 457 anos de existência já devo ter repetido seu nome, pelo menos, umas 457 vezes.

Antonio Luceni é escritor e Coordenador Regional da União Brasileira de Escritores – UBE.

5 comentários:

  1. É interessante,como qdo pequenos tudo parece enorme,e qdo nos deparamos com a realidade vemos que podemos sim estar diante de algo que jamais alcansaríamos...e qdo percebemos já estamos no topo. Assim são os sonhos....qdo projetados parecem estar muito distantes...e qdo vemos, já estamos concretizando....
    Bendita libertade, que nos faz acreditar em nós mesmos e em nosso poder...

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  2. São Paulo é tudo de bom, parabéns a todos os paulistanos e para os que por adoção também possuem um coração paulistano!Bjs!

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  3. Adorei o texto Antonio, tbm sinto "meio" Antonio nenhuma cidade me assusta e tbm não prende minhas raizes. bjs

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  4. Olha, eu já penso diferente: eu tenho raízes aqui em Araçatuba. " daqui não saio, daqui ninguém me tira". Juro, quando voltava de minhas viagens, chegando de madrugada ali na Av.Brasília, ao passar pelo Bola 7...me dava um nó na garganta.
    Mas gosto de ir pra capita, assistir uma boa peça de teatro, tomar umas no Bar da Bhrama, comer um filé do Moraes...eita.Parabéns professor, seu blog é chique no urtimo. Fala a verdade: tem uma raizinha fincada aqui, tem não?

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  5. Salve, José Hamilton... legal os comentários que tem feito no meu blog. Claro que gosto de Araçatuba, é só dizer que estou por estas terras há mais de 20 anos... se não gostasse não estaria por aqui. Minha família está toda aqui, minha formação - em sua maioria - se deu por aqui... A crônica que escrevi sobre São Paulo tem a ver com a minha primeira identificação como gente, como alguém pertencente a uma sociedade. Afinal, meus primeiros anos de vida foram por lá. Daí a ideia do "umbico", que está vinculado e não tem jeito!

    Abração,

    Antonio Luceni

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