domingo, 2 de janeiro de 2011

PERU DESFIADO

Antonio Luceni

Pegam-se as partes, desfiam-se todas, acrescentam-se novos ingredientes como salsinha bem picada, cebola, alho, pimenta calabresa, sal a gosto e... pronto. É só misturar bem tudo, levar ao forno e deixar aquecer por aproximadamente trinta minutos. Depois é só servir com uma salada de legumes e arroz branco.
Já não aguentava mais aquela criatura enchendo o saco com receitinhas de mau gosto. Tudo bem que a moda agora é aproveitar tudo, reciclar as coisas, mas comida? E ainda por cima um trem ruim que doía. Eu não, gosto de comer direito. Pelo menos isso, não é mesmo? A gente já não tem o carro que queria, a casa com os móveis desejados, a viagem do sonho sempre adiada... mas comida, não. Teria que ser de primeira categoria.
A árvore já estava sendo desmontada, os enfeites e penduricalhos devidamente guardados, as capas de almofadas, as toalhas de mesa, castiçais e velas sobressalentes... tudo era embrulhado para ficar mais um ano à espera das entusiasmadas mãos que os desembrulhariam no final daquele ano.
As visitas desocupavam a casa (algumas fariam falta, outras, nem tanto), tudo retomava o ritmo de antes e a normalidade entediante, mas de algum modo desejada, seria renovada fazendo parte de mais um ano que se iniciava.
Teria que ouvir as mesmas frases e comentários dos amigos de trabalho. Teria que rever o velho chefe com a tromba mais comprida do mundo, como se fosse culpado por ter férias, décimo terceiro salário, feriados mil...
Será que saberia como operacionar o computador novamente? Será que seus clientes ainda o estariam esperando? Estava com uma vontade louca de que alguns tivessem mudado de fornecedor. Coisa chata ter que lidar com alguns deles.
— Pedro, acorda... sai daí. Deixa eu limpar o sofá, anda.
— Quê? Quê que foi?...
Nem poder fazer suas ilações era possível. Não sabia o que era pior: se ficar em casa suportando a patroa ou se no serviço o patrão.
— Essa coisa de feriado é como encher a cara. Quando começa é bom, mas depois para aguentar a ressaca...
E ficou pensando em tudo, em coisas banais, em preguiças, em desejos impossíveis, em coisas exequíveis e outras nem tanto, em coisas dizíveis e em outras jamais pronunciáveis.
— E esse desfiado horrível de peru, já tá pronto?

Antonio Luceni é escritor, Coordenador Regional da União Brasileira de Escritores – UBE.

2 comentários:

  1. Que coisa...comida reciclada...que nada né Antonio?
    Em tempos de festanças então...rsss...só por Deus!!!
    Feliz 2011!Muito mais SUCESSO!!!

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  2. Hilariante texto, delineado com o admirável talento literário que o caracteriza. Parabéns, Antonio, e que 2011 lhe seja próspero e feliz. Grande abraço!

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