domingo, 24 de abril de 2011

UM MAR PARA RESPIRAR

Antonio Luceni
aluceni@hotmail.com


Ah, que pena! O feriadão acabou!!
Um parafuso solto aqui, e voltou pro lugar. Uma lâmpada queimada ali, e pronto! trocadinha da silva! Reparo no jardim, cachorro pra passear, pernas pro ar... É, o legal de feriado longo é que a gente coloca tudo pra funcionar novamente. Até dá tempo de curtir uma preguicinha, não é mesmo?!
Mas como operários da Pátria, proletários do Capitalismo, zumbis da urbe, estamos de volta pro trampo. E trate de suar a camisa e mostrar serviço pro patrão. Ele deve estar tinindo de raiva desse tempo todo em que você ficou no bem-bom.
Mário Quintana (acho que foi ele) sugeriu uma “janela” pra gente respirar. Acho pouco. Preciso de um mar pra respirar. Um mar de palavras, um mar de ideias, um mar cheio de prosa e verso para me inspirar. Como diria o outro, navegar é preciso. Mas viver também, ora pois...
E nesse mar de respiro a gente vai pescando palavras: umas belas, mas também perigosas, como águas vivas (verdade, ética, justiça, liberdade...); outras saborosas e, ao mesmo tempo, exóticas, como lagosta e camarão (equidade, reciprocidade, carinho, desejo...); algumas são ferozes, agressivas, verdadeiros tubarões (corrupção, roubalheira, propina, mensalão...); há as que são tão costumeiras que, feito sardinha, já não surpreendem mais, só que precisam ser revistas, revisitadas, repaginadas (amizade, amor, paz, religião...).
E assim a gente vai navegando num mar-sem-fim-palavrar. Nesse mar há também os perigos iminentes: monstros marinhos, tempestades avassaladoras, piratas traiçoeiros, rochas e icebergs. Mas é preciso navegar. Enfrentar tudo isso e ir selecionando cada situação e depositando-a em baús imaginários que, ao longo da vida, serão abertos feito verdadeiros tesouros. E pra quê? Pra gente respirar.
Coleciono meus baús de palavras. Uns, em forma de livros (já são alguns publicados). Outros, em forma de artigos técnicos e estéticos (em jornais e revistas). Há um baú virtual (na verdade são três, quatro...), que chamamos de blog, o qual deposito vernáculos modernosos. Agora, a partir desta semana, passo a escrever também, ou seja, a abrir mais um baú, no site www.luizberto.com, no Jornal da Besta Fubana. Nosso encontro acontecerá, assim como aqui no Liberal, todas às terças-feiras. Vejam lá e confiram.
Um mar para respirar. Um mar de palavras: em livros, em revistas, em jornais, na internet. É preciso ter um horizonte à frente pra que a gente tome fôlego e faça da vida um lugar possível de se viver. Meu jeito de respirar é por meio das palavras. O lugar do meu encontro com a dor, a alegria, a saudade, a paixão, o belo, o grotesco, o desprezível, o sensível, com meus acertos, com meus erros, com a minha ilusão e utopia, com a minha razão e verdade...
Quando estou nesse mar de palavras não há motivos pra não respirar. Estão todas ali, à minha frente (e ao lado, e embaixo, e acima de mim). Cada uma delas, travestidas de paisagem, de maré, de vela, de proa, de peixe, de água, de vento... Às vezes tocam a minha pele com uma delicadeza tal que chegam a me confundir com nuvens... Outra hora são tão ásperas que parecem escamas cortantes.
Mas todas são importantes, mesmo as que me fazem chorar. Preciso de cada uma delas pra sobreviver, pra dizer quem eu sou, ou mesmo para simular quem gostaria de ser. Todas são importantes e cada uma delas tem seu lugar nos meus baús de memórias.

Antonio Luceni é mestre em Letras e escritor, Diretor da União Brasileira de Escritores – UBE.

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