terça-feira, 10 de maio de 2011

ENTREVISTA COM O ILUSTRADOR ORLANDELI

Walmir Américo Orlandeli

Por Antonio Luceni

 
“Minha faculdade foi a vida.”. É assim que o desenhista, ilustrador, cartunista e escritor Walmir Americo Orlandeli define o caminhar no universo das ilustrações brasileiras. Casado, pai de um filho e residente na cidade de São José do Rio Preto, é formado em Publicidade e Propaganda – profissão que exerceu por um curto espaço de tempo de sua vida, dedicando-se, na última década, exclusivamente à ilustração e aos quadrinhos. Tive o privilégio de ter um de meus livros, Com quantos chapéus se faz um Chapeuzinho, ilustrado por ele. Lógico, pelo encantamento, poeticidade e qualidade que o trabalho dele tem. Por e-mail, concedeu a entrevista que se segue.
 
Antonio Luceni: Desde quando começou a se interessar pelo desenho?
Orlandeli: Desde criança, mesmo. Sempre gostei de histórias em quadrinhos. Não me lembro de nenhuma época em que não desenhasse compulsivamente.

Antonio Luceni: Quando, de fato, percebeu que sua vida profissional poderia ser encaminhada a partir do desenho, da ilustração?
Orlandeli: Ainda moleque isso era muito claro em minha cabeça: trabalhar com quadrinhos e desenhos. Mas, claro, as dificuldades em ter desenho como principal fonte de renda sempre existiram. Então trabalhava em outras áreas e paralelo a isso ia fazendo minhas histórias em quadrinhos, fanzines, jornal independente... A coisa começou a tomar um rumo mais profissional quando passei a publicar as tiras no jornal, isso em 1995. De lá pra cá fui conseguindo mais espaço até que consegui largar as outras atividades e viver apenas de quadrinhos e ilustração.
 
Antonio Luceni: Quais os problemas que você enfrentou ou enfrenta no ramo da ilustração?
Orlandeli: Os problemas são vários, como em qualquer profissão. Vai desde amadurecer o trabalho a fim de que consiga suprir as necessidades do cliente (jornal, revista etc. etc.) até conseguir espaço no competitivo mercado de ilustrações. Não adianta apenas saber desenhar, tem que se profissionalizar em todos os sentidos, saber cobrar, avaliar contratos, negociar...
 
Antonio Luceni: Quem foram ou são seus mestres motivadores? O que deles conserva ou busca demonstrar em seu trabalho?
Orlandeli: Ah, são vários. Cada um teve sua importância em determinada fase. O Maurício de Sousa foi responsável por eu gostar de quadrinhos. Passei a infância toda colecionando e tentando desenhar os personagens da Turma da Mônica. Já um pouco mais velho entrei na onda dos quadrinhos undergrouunds da turma do Chiclete com banana: Angeli, Laerte, Glauco... Com esse pessoal decidi que queria ser cartunista. Nessa época também conheci o trabalho do Henfil, um dos que mais me influenciaram na parte gráfica em início de carreira. Já com vontade de contar histórias mais longas, passei a me inspirar no trabalho do Will Eisner, Frank Miller... O resultado é uma mistura de tudo isso e mais um pouco. Tudo o que a gente consome, de uma forma ou de outra, acaba te influenciando. Conheci recentemente o trabalho do Christophe Blain, que tem uma narrativa gráfica sensacional, é outro que já pode entrar na lista de influências.
Cartunista Henfil - um dos grandes nomes nacinais.

 
Isaac - O Pirata, de Christophe Blain - Conrad Editor


Antonio Luceni: É muito comum no ramo da ilustração o trabalho em parceria com vários profissionais: escritores, editores, cenógrafos etc... Quais são as parcerias mais frequentes em seu ofício e qual delas mais entusiasma você?
Orlandeli: No meu caso, em específico, as principais parcerias são com escritores e editores. A satisfação vem quando te respeitam como autor e não um mero lápis a serviço do cliente. Qualquer parceria é válida quando te dão a liberdade de criar e sugerir soluções que não estavam previstas. Aliás, se não for assim nem pode ser considerado parceria. Mas, infelizmente, algumas vezes acontece do ilustrador ser mera ferramenta, em que lhe é passado detalhadamente o que é para ser ilustrado, sem espaço para se expressar de forma mais autoral. Em alguns casos nem vale a pena pegar o trabalho.
 
Antonio Luceni: Dos trabalhos que fez, qual foi o mais desafiador? Por quê?
Orlandeli: Creio que a participação no livro MSP50, em homenagem ao Maurício de Sousa. Foi um dos mais desafiadores, sem sombra de dúvidas. Essa é uma obra história, os principais cartunistas do Brasil estão nela para homenagear o pai da Turma da Mônica. Não é pouca coisa... Não queria simplesmente fazer uma homenagem do tipo "valeu Maurício". A ideia sempre foi fazer uma HQ, de preferência uma BOA HQ, com algum personagem usando o meu traço. Para mim, essa seria a melhor homenagem. Porém, o trabalho do Maurício é infantil, e o meu, de infantil não tem nada. Queria um história que fosse honesta tanto com a obra original quanto com o meu estilo de desenhar e narrar. Foi quando pintou a ideia de usar o "Capitão Feio", um personagem que mora no esgoto junto da sua horda de criaturas de sujeira. Parecia o cenário ideal para unir os dois universos, o meu e o do Maurício. No final, gostei bastante do resultado.


Publicação em homenagem a Maurício de Souza
em que Orlandeli participou.
 
Antonio Luceni: De que forma surgiu o convite e como foi trabalhar com a Maurício de Souza Produções?
Orlandeli: Quem fez o convite foi o Sidney Gusman, que cuida dos projetos especiais da MSP. Fiquei simplesmente honrado e feliz em poder deixar registrado uma homenagem ao artista que me ensinou a gostar de quadrinhos. Durante o processo não cheguei a ter contato direto com o Maurício, mas a parte boa é que a liberdade dada ao autor foi total. Sequer precisei enviar o roteiro para aprovação. Passei o número de páginas, o personagem que iria trabalhar e depois entreguei a HQ pronta. Participar de um livro desses dessa forma foi um presente.
 
Antonio Luceni: Você já fez algum trabalho de ilustração do qual tenha se arrependido e não gostaria de tornar a fazê-lo? Por quê?
Orlandeli: Já houve trabalhos que no meio do caminho pensei "puts, onde amarrei meu bode?", rsrs. Geralmente não é culpa do trabalho, mas do cliente. Isso acontece quando a pessoa é desinformada e acha que se você é "desenhista" então "desenha de tudo e do jeito que ela quer". Não é assim que funciona. Se uma pessoa me procura para um trabalho, é de se imaginar que ela já conheça o meu estilo de desenho. Mesmo assim sempre passo o endereço do site ou blog para a pessoa se familiarizar e ver se é isso que está procurando. Mas já aconteceu de no meio do trabalho a pessoa passar uma referência que em nada tem a ver com o meu estilo. Aí, paro na hora. Hoje, já estou mais vacinado com essas coisas. Antes de começar já deixo claro o estilo que será trabalhado e o valor de cada etapa, do esboço à arte final.
 
Antonio Luceni: Você mantém uma rotina de trabalho, com horários rígidos e clientela fechado, ou prefere distribuir seu tempo conforme a motivação que tem para fazer sua arte?
Orlandeli: Meus horários de trabalho variam de acordo com a demanda de serviços. Me dou bem com a pressão do relógio, consigo adequar minha arte de acordo com o tempo disponível, o resultado sempre é bem satisfatório. Já virei até meio que um "apagador de incêndios" de alguns jornais e revistas quando precisam de uma ilustra "pra ontem". (rsrs)

Antonio Luceni: Existe algum trabalho que você fez e que considere exótico ou pouco comum no ramo da ilustração?
Orlandeli: Creio que não. Tudo que fiz é meio que de praxe nessa área. Uma vez me pediram para desenhar um vestido de casamento. Falei que não era estilista e sim cartunista. A noiva disse que era por isso mesmo, que adorava meus quadrinhos e queria que eu fizesse algo naquele estilo. No final, o casal acabou se separando e não rolou... Sorte dela. (rsrs)
 
Antonio Luceni: Além de ilustrar, você também escreve. Como você enxerga esse diálogo entre escrita e ilustração? Que distinção procura manter entre o trabalho de escritor e o de ilustrador, ou não há diferença para você?
Orlandeli: Tanto um como outro são formas de se contar uma história. Cada um com suas características que, em determinados momentos, até se misturam um pouco. O SIC tem muito disso, uma mistura da linguagem literária com a narrativa gráfica. Não tenho preocupação em manter distinção entre uma forma e outra, ou sequer de misturá-las. Meu foco sempre é na história, em conseguir que a narrativa funcione, que o leitor consiga assimilar as sensações da narrativa. Uso o que, em minha opinião, funciona melhor para cada história.
 
Antonio Luceni: Recentemente você “virou” papai. Pensa em desenvolver alguma série de ilustração ou textos voltada para o público infantil?
Orlandeli: Livro infantil é muito bacana. Recentemente quase rolou de eu ilustrar um livro de uma autora estrangeira, mas, por contrato, a editora teve de usar as ilustrações da obra original. Mas é uma coisa que provavelmente vai rolar. Escrever livro infantil já me passou pela cabeça, mas não consegui uma linha narrativa que me agradasse. Pode ser que uma hora role também, mas por enquanto só as ilustras.
 
Antonio Luceni: Você é um ilustrador reconhecido nacionalmente pela excelente qualidade do seu trabalho. Aonde você ainda quer chegar com suas ilustrações?
Orlandeli: Quero continuar desenhando e contando minhas histórias. Tem muita coisa ainda para ser feita, mas isso vai aparecendo aos poucos e a gente vai administrando, vendo se gosta, se vale a pena ir mais fundo... Uma coisa que não muda é desenvolver um trabalho autoral.
 
Antonio Luceni: Uma das coisas mais difíceis para um ilustrador é fazer nascer e viver uma personagem. Quais dos personagens que você já criou e que poderia apontar como já ter “vida própria”?
Orlandeli: Dos personagens criados, sem sombra de dúvidas, o que mais se destaca é o Grump. Junto com o seu cachorro Vândalo, são figuras com personalidade definidas. Fazer uma tira com o Grump é até simples: cria uma situação qualquer, aí joga ele nela, pronto!A piada vem na hora.


Personagens Grump e Vândalo.

 
Antonio Luceni: Em seu trabalho como ilustrador, você mistura técnicas de pintura, do desenho e de programas digitais. Você procura seguir uma linha de ilustrações ou está aberto para as várias possibilidades de criação?
Orlandeli: Sou fiel ao meu estilo de desenhar. Faço qualquer coisa, desde que no meu estilo. Particularmente trabalho com dois tipos de traço, um é meio sujo, feito à mão, parece pincel, uso basicamente para os quadrinhos. O outro tem uma cara mais digital, parece vetor, que aparece bastante nas ilustrações editoriais. Mesmo com a finalização diferente, dá para notar uma semelhança entre os dois.
 
Antonio Luceni: Dos nomes de ontem e de hoje na ilustração nacional e mundial, quais são mais significativos para você e qual o diferencial deles?
Orlandeli: Ah, tem vários... Com certeza vou ficar devendo o nome de um monte de gente importante, mas vamos aos que eu gosto e lembro nesse momento, misturando ilustração e quadrinhos: J. Carlos, Nássara, Benício, Will Eisner, Norman Rockwell e muitos outros mais antigos. Alguns mais atuais que também admiro: Samuel Casal, Daniel Bueno, Fábio Moon, Gabriel Bá, Grampá, Christophe Blain, Alberto Cerriteño... e muitos, muitos outros. Cada um com sua particularidade.
 
Antonio Luceni: Quais dicas você pode dar para alguém que está pensando em seguir carreira ou iniciá-la como ilustrador? Por onde começar? Quem procurar?
Orlandeli: Dedicação e empenho acima de tudo. Espírito crítico para saber avaliar antes de qualquer outro a qualidade do seu trabalho. Procurar desenvolver um estilo próprio e sair para a rua, enviar seu trabalho para revistas, jornais... Se o trabalho tiver qualidade, aos poucos as portas vão se abrindo.
 
Antonio Luceni: O que constitui o Orlandeli como ser humano, como pai de família e como profissional? Há diferença entre as várias atuações ou está tudo misturado?
Orlandeli: Tudo meio misturado. Amo a minha família acima de qualquer coisa.

Para entrevista, o artista fez essa charge. Olha como vou ficar no futuro!!! Valeu, Orlandeli.
Você sabe que sou seu fã de carteirinha.


6 comentários:

  1. Muito boa entrevista, adoro o trabalho do Orlandeli. Parabéns!

    ResponderExcluir
  2. Originalidade, sensibilidade e capacidade. Ah, sem esquecer a humildade. Sou fã declarado desse artista de talento! Grande abraço, amigo!

    ResponderExcluir
  3. ::: O Orlandeli é um grande profissional e uma grande figura. Parabéns pela entrevista, Luceni.

    ResponderExcluir
  4. Que joia que vocês gostaram, pessoal. Ajudem divulgando.

    ResponderExcluir
  5. muito interessante, várias detalhes que eu nem sonhava em saber, que pessoa seleta e simpática. Parabéns pela soma e pelo blog.


    Sylvia Seny

    ResponderExcluir
  6. Interessante, adorei a entrevista, parabéns aos dois.

    ResponderExcluir