domingo, 4 de setembro de 2011

A VIDA É UM SOPRO...



Antonio Luceni
aluceni@hotmail.com

A frase que dá título a esta crônica é do arquiteto Oscar Niemeyer. Ela também intitula um documentário sobre a vida desse ícone da arquitetura brasileira e universal, dirigido por Fabiano Maciel, Europa Filmes.
Em aproximadamente uma hora e meia a gente tem contato com os principais momentos da vida profissional de Niemeyer, passeia por entre as suas obras, escuta-o já com voz embargada, mas ainda inteligível, falar sobre suas motivações, processos criativos, perseguição política, amizade com artistas, intelectuais e poderosos nas diferentes esferas políticas e sociais.
Apesar de todos os “poréns” que se possa ter sobre sua produção, a espetacularização e beleza seduzem o expectador para o seu trabalho. É verdade que em termos funcionais muito do que ele projetou deixa a desejar, mas proporcionalmente é verdadeiro que é a partir dele que a arquitetura brasileira ganhará outro status e respeitabilidade no mundo.
Mas, voltando à expressão que provocou esta reflexão, “a vida é um sopro”, haja fôlego para soprar tanto!! Lá se vão mais de cem anos de vida do arquiteto e ainda em plena atividade. Se com apenas “um sopro” produziu tanto, fico imaginando se a vida fosse para ele “um cochilo” ou um “sono profundo” em que o tempo não fosse contado e que as horas fossem amigas dele. Quanto não faria...
A plasticidade sempre me atraiu. Desde que me reconheço por gente meu olhar sempre buscou o visual, a relação entre as imagens no espaço, nos cheios e vazios. A rigor, todas as minhas lembranças mais significativas – sejam elas boas ou ruins – estão grandemente marcadas pela plasticidade, pela imagem, pelo visual.
Tinha mania, lá com meus 6 ou 7 anos, de ficar penteando os outros: mãe, tias, minha avó... Minha vó Janoca, especialmente, era dona de uma cabeleira de dar gosto! Fios longos e lisos, negros feito carvão... e eu adorava penteá-la: aquela textura diferente por entre meus dedos, de fios que, unidos, sugeriam um tecido de trama rara e delicada.
Ainda por essa época, morando na periferia de Taboão da Serra, zona metropolitana de São Paulo, da laje da casa onde morava contemplava aquelas construções todas, umas sobre as outras, em sua maioria sem acabamento, e ficava imaginando peças de quebra-cabeça no horizonte, em que, no conjunto, pareciam favos de mel, cheios de repartições e abelhas/habitantes sobrepostos.
Nesse mesmo viés se seguiram outras instâncias desse “sopro de vida” que, para mim, pareceram infindáveis (na verdade achei que nunca tivessem fim, que fossem a minha, e a de tantos milhões de brasileiros, sina, meu carma, meu destino... como queiram chamar): na poeira desse mesmo tempo seco que recobria móveis, chão e a gola da camisa suada do trabalho diário; na lama formada da alquimia do barro e da chuva, estendida por longos meses de verão e que mudava a paisagem da nossa rotina.
E se o ofício do arquiteto é, entre outras coisas, como mostra Niemeyer em seus depoimentos, interferir na paisagem causando espanto por meio da beleza, eu ouso dizer – com toda petulância que os jovens têm de ir contra os mais velhos – que: talvez o ofício do arquiteto seja mexer na plasticidade da vida, seja ela bela ou feia, generosa ou hostil.

Antonio Luceni é mestre em Letras e escritor. Atualmente estuda Arquitetura e Urbanismo. 

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