sexta-feira, 24 de maio de 2013

CONDOMÍNIO (SEM)DOMÍNIO

*Graduando em Arquitetura e Urbanismo pela Mackenzie
Macanudo


As cidades são discutidas há muito tempo por diversos campos do conhecimento humano. Psicólogos, geógrafos, engenheiros, arquitetos e urbanistas, cientistas sociais e um vasto grupo de profissionais falam sobre cidades e estudam o local que serviu de suporte para significante crescimento humano. Ao longo dessas pesquisas, por mais óbvio que isso possa parecer, tem se notado é que a cidade vem cada vez mais exercendo o papel de refém do nosso sistema econômico atual. Essa dinâmica econômica - que ecoa na vida urbana - nos inclina a comportamentos individualistas e segregadores, de modo que o espaço coletivo perde a importância e se torna, de certo modo, sobras daquilo que o mercado não considerou aproveitável.

Com fracassadas propostas de urbanização, nós construímos conjuntos habitacionais de baixa renda desumanizados que se tornaram núcleos de desesperança social generalizada; conjuntos habitacionais de renda média que são verdadeiros monumentos à monotonia e à padronização; conjuntos habitacionais de luxo que acentuam sua vacuidade, ou tentam atenuá-la, com certa vulgaridade; centros culturais desinteressantes, centros comerciais segregadores; calçadas que vão do nada até lugar nenhum e um sem número de outros equipamentos que ocupam espaço numa cidade marcada principalmente pela discrepância social. 

De um modo geral, as políticas sociais das cidades brasileiras são, em grande parte, voltadas para a higienização urbana. Os moradores de rua, a gente espalha e pulveriza; os pobres, a gente exila nos subúrbios; afinal, a cidade brasileira não precisa existir para todos, pois a concentração de renda faz com que ela funcione muito bem entre os mais ricos, desde que os mais pobres a acessem, mas apenas para fazê-la funcionar, não para morar. E a verdade é que parece que para as classes mais altas, chegando a noite, quanto mais longe estiverem os pobres, melhor. Nas palavras do professor João Sette, as cidades brasileiras promovem um gigantesco apartheid social e espacial, enviando os mais pobres para o mais longe possível e, embora haja terras sobrando na cidade “que funciona” para novos prédios, novos shoppings, lojas, ou casas de luxo, estranhamente não há terras para os mais pobres.

Para o IBGE, em 2010, dos 57 milhões de domicílios brasileiros, só 30 milhões (52,5%) são considerados adequados, ou seja, recebem todo o sistema de abastecimento de água por rede pública, de coleta de esgoto sanitário por rede pública ou sistema de fossa sanitária e coleta regular de lixo. Isso significa que 27 milhões de domicílios, onde vivem quase 105 milhões de brasileiros, estão de modo inadequado. Para complementar, segundo o IPEA, 5,8 milhões de famílias brasileiras vivem amontoadas em favelas, expostas a situação de risco iminente, como enchentes, desabamentos e incêndios.

Não bastasse essa realidade, temos visto o crescente número de condomínios fechados de classe média que tem se espalhado pelas cidades brasileiras com a promessa de qualidade de vida e segurança. Enquanto os desabrigados disputam viadutos para dormir e favelados dormem torcendo para não chover, a classe média brasileira celebra o condomínio fechado como a solução para a insegurança das cidades. Uma arquitetura predominantemente construída por incorporadores imobiliários como mercadoria de compra e venda e um recurso de marketing. Como na Idade Média, nós voltamos aos feudos e muramos tudo aquilo que está fora do nosso alcance de controle, assim, evitamos que pobres e criminosos (quase sempre tratados como a mesma coisa) transitem em frente à nossas casas.

Mas nós também muramos nosso comércio e agora, ao invés de caminhar pela cidade, pateticamente rodamos enclausurados no interior de um prédio a que chamamos de shopping center. Só mesmo numa ordem social individualista uma arquitetura de estufa destinada a abrigar e promover a insaciável paixão consumista pode ser tomada como uma espécie de empreendimento cívico. Lembro-me de Jane Jacobs, quando afirma que a segurança das cidades é promovida pela vitalidade das ruas, ou seja, quanto mais gente estiver transitando por uma rua, mais segura ela tende a ser. Nós nos esquecemos que, na tentativa de nos proteger dos possíveis riscos do contato com o desconhecido, nós transformamos nossas ruas em faroestes desabitados, aonde a lei do mais forte é a que vale. Assim como o condomínio, o shopping é uma clara declaração de irresponsabilidade social e urbana.

Em ambos os casos, pode-se perceber a prática de demarcar o território e deixar do lado de fora dos muros o perigo. Antes, os muros nem eram visíveis. Os guardas eram suficientes para garantir a fronteira. Nos últimos anos, contudo, os muros tornaram-se descaradamente concretos. Os condomínios fechados de classe média que agrupam camadas sociais homogêneas e confiáveis são fortalezas, que se isolam com guaritas e muros eletrificados e matam a rua, o sol, o vento, o ambiente, a vizinhança e o convívio social, tal como os shoppings centers que matam o comércio de bairro e, consequentemente, aniquilam a vitalidade das ruas, são declarações evidentes de completo descaso com a realidade social do nosso País. 

A cidade vem perdendo os seus espaços comuns. O lugar onde antes os cidadãos encontravam oportunidades para a prática da socialização com o novo e com o diferente, tem cada vez menos importância na cidade contemporânea. De modo geral, a história do urbanismo ocidental aponta uma intenção projectual cada vez mais voltada para a individualização do cidadão. Alguns especialista da sociologia como Richard Sennet, referem-se à sociedade contemporânea ou pós-moderna com adjetivos como: intimista, narcisista, individualista, egoísta, entre outros; e é essa sociedade que tem vivido nas cidades. Sobrevive o mais forte, ou seja, os mais ricos.

Aqui, eu não falo como urbanista; aqui, eu falo como morador da cidade que, assim como muitos, todos os dias abro o portão para as miseráveis calçadas que cercam minha casa. Devemos assumir responsabilidade pelo que acontece nas ruas e nas cidades. Ninguém mora em favela porque quer, assim como ninguém constrói casa em barranco porque gosta de morrer soterrado. Precisamos deixar de lado qualquer interesse pessoal que ultrapasse o coletivo e prestar mais atenção aos vulneráveis que, quase invisíveis, esperam um dia um teto para dormir. Eu espero que possamos viver uma cidade mais democrática que preserve o espaço público e favoreça a maioria, e não os mais endinheirados. Enquanto isso, a gente mora em condomínios e vai vivendo numa cidade sem domínio. 

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