segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Vento, ventania...

Foto: Angelo Cardoso

Antonio Luceni
aluceni@hotmail.com

Foi também numa ventania que Dorothy chegou à Terra de Oz, com cachorro e tudo. Foi por conta de uma ventania que Dorothy passou a viver aventuras e perigos, experiências e caminhos que, não fosse desta forma, não os teria vivido.

Pois é, na última semana também tivemos nosso dia de ventania. Fomos arrancados de nossos cantos, tal qual a menina no romance de L. Frank Baum, e seduzidos à rua, à se proteger sob um abrigo qualquer, à se esconder debaixo da cama ou mesa com receio de que o teto da casa desabasse sobre nossas cabeças.

Saí ligando pra todo mundo: “Tá tudo bem por aí?”, “Você tá no trânsito ou tá em casa?”, “Se cuida, hein...”, “Rita, feche as janelas e coloque os periquitos debaixo da área!”... De repente, um estrondo... Bruuuuuuuummmmmmmmmm!! “O que foi isso, meu Deus?”. Com o baque de uma madeira que se soltou de tapume de um edifício em construção, o estouro de um transformador de energia.

Árvores arrancadas pela cidade toda, casas destelhadas, outdoors derrubados, sujeira e mais sujeira por todos os lados. E chuva? Nada. Só vento mesmo. Poeira que não acabava mais. Senti-me um “bife empanado”. Ai que agonia: todo o corpo recoberto por uma fina camada de terra, os olhos raspando como se estivessem com conjuntivite, o gosto de terra na boca (sabe lá de onde ela vinha: de cemitério? de um vaso de planta? dum cantinho ali de jardim?). “Do pó vieste e para o pó voltarás”, a profecia se cumprindo. Só que ao revés, já que não estávamos voltando ao pó, mas era o pó que estava voltando-se contra nós!

Tal qual na Terra de Oz, as pessoas deveriam colocar um coração na rígida e fria lataria: hora de exercitar o altruísmo e a humanidade: “Entre pra cá, aconchegue-se aqui até a tempestade passar”.

Tal qual na Terra de Oz, muitos tiveram que deixar o medo e, com intrepidez e valentia, prosseguir adiante: “Tenho que chegar em casa, ver se minha família está bem. É preciso seguir em frente”.

Tal qual na Terra de Oz, era preciso pensar a melhor maneira de controlar a ansiedade, não transformar a situação em pânico, manter tudo dentro da mais perfeita harmonia a partir da razão, da racionalidade, do bom senso.

Fiquei pensando nessas coisas todas durante o período em que sofríamos a ventania. Fiquei pensando também que, tal qual na história da menina Dorothy, as pessoas poderiam encarar, cada qual a seu modo, as dificuldades da vida como um grande desafio que, a partir da união das virtudes e fraquezas de cada um, poderiam ser superadas.

Fiquei pensando que, tal qual na Terra de Oz, também pudéssemos resolver nossos problemas com a nossa própria força interna, com a capacidade que cada um de nós tem de ser criativo, solidário, altruísta, audaz... e sem “planos mágicos”, já que de fato não havia “mágico” algum em Oz.

Fiquei pensando nestas coisas todas e na possibilidade de elas se tornarem realidade para o bem de uma cidade melhor, mais fraterna, em que seus moradores, todos, tivessem somente o desejo de vê-la prosperar, sem interesses escusos e mesquinhos.

Fiquei pensando assim... quando, paulatinamente, o vento foi cessando, a poeira foi abaixando e só sobraram folhas e muita terra no chão.

“Hora de limpar tudo e voltar para realidade”.

Antonio Luceni é mestre em Letras e escritor. Membro e diretor da União Brasileira de Escritores – UBE.

5 comentários:

  1. Que maravilha!
    Que facilidade!
    "bife empanado", "terra de cemitério" ...
    Isso que é imaginação.

    Parabéns!

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  2. Epa!
    O "anônimo", ali de cima, tem nome. É apenas distraído.
    (Rsrsrs)

    Wanilda Borghi

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  3. Parabéns ao Angelo Cardoso, também: pel beleza de foto e pela coragem.

    Wanilda Borghi

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