Numa Terra quente, num lugar
distante.
Os rodamoinhos varrem o solo
enchendo as faces de poeira. Enchendo as casas de poeira. Enchendo as vidas de
poeira.
Quando vem a chuva, poeira se une a
ela e gera lama. Lama que enche a casa de barro. Que suja as roupas de barro.
Que enche a vida de barro.
Sem chuva, o vento, o frio.
Antes mesmo que o sol traga a
manhã, o vento invade a casa, por entre frestas de portas e janelas, por entre
os vãos de telhas desencontradas, de múltiplas formas da olaria. Invade sem
avisar ou pedir licença e acorda os que nela habitam, em seus leitos pobres com
seus quase cobertores.
O menino se contorce mais um pouco,
comprimindo-se tal qual feto em útero à espera de nascer. O frio é forte. A
colcha é fraca. A noite é curta. O dia é longo.
Ainda sob a treva matinal sai o
menino para o trabalho, com tantos outros meninos. Facão e bornal nas costas,
marmita de ingredientes mínimos, os olhos ainda remelentos, a coragem somente
esperança.
As roupas ralas não impedem de o
vento frio cortar-lhe o corpo. Com a face anestesiada, procura perceber o
nariz; a boca cortada, com fissuras ainda doendo, sangram esporadicamente na
ausência de hidratação.
Uma roça de cana o espera. Ao longo
do percurso fantasia uma vida melhor, com, ao menos, o que comer direito. Como
lutador que é, alimenta a esperança de um dia poder dormir num quarto fechado,
num cobertor que o cubra por completo, que o vento frio não o castigue tanto e
o deixe dormir nas poucas horas de que dispõe para isso.
Enfileiradas, as touceiras de cana
se apresentam como soldados infindos de uma batalha diária que precisa ser
vencida. Um a um são derrubados. Um a um são mutilados, cortados, lançados para
o lado; agressores inimigos.
Vez ou outra uma cascavel surge no
meio do caminho e faz com que o menino desperte do sono que ainda o acomete. O frio,
àquela altura quase finito, ainda o acompanha forte, sobretudo na mão pelada e dormente,
que segura o facão.
A urgência é que o sol fique um
pouco mais forte com a aproximação do almoço e o abrace, pondo fim ao martírio.
O ovo frito, o arroz brilhante, o feijão ralo não são os protagonistas na
parada para o descanso do meio dia. O corpo está aquecido, seus membros
sentidos por inteiro. A blusa rala já até incomoda um pouco e não absorve todo
suor que lhe envolve o corpo.
Pelo menos, o frio já foi.
Antonio Luceni
é mestre em Letras, jornalista e escritor. Diretor de Integração Nacional da
União Brasileira de Escritores – UBE e membro da Academia Araçatubense de
Letras – AAL.
É MEU IRMÃO NINGUÉM MELHOR DO QUE VOCÊ PRA RELATAR ISSO COM TANTA RIQUEZA DE DETALHES..........QUE DEUS TE ABENÇOE SEMPRE ................LUCIVAN.
ResponderExcluirQue bom que gostou, Lucivan... É a vida como ela é!
ResponderExcluir