terça-feira, 5 de novembro de 2013

É PROIBIDO PROIBIR!

* Jornalista e escritor

Milton Nascimento, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Djavan perderam um pouco do brilho que tinham, para mim, ao se envolverem com a trupe do “Procure Saber”, grupo de artistas articulador da censura prévia a biografias. Roberto e Erasmo Carlos, não; continuam na mesma; nunca fui muito ligado a eles.

“E eu digo não/ E eu digo não ao não/ Eu digo: É!/ Proibido proibir/ É proibido proibir/ É proibido proibir/ É proibido proibir...”, grita Caetano em alto e bom som em uma de suas canções. Chico Buarque e Gil são incisivos quando pedem: “Pai, afasta de mim esse cálice/ Pai, afasta de mim esse cálice/ Pai, afasta de mim esse cálice/ De vinho tinto de sangue”. Já no caso do “rei”, ele próprio dá a dica pra essa situação toda: “Toda pedra no caminho/ Você pode retirar/ Numa flor que tem espinhos/ Você pode se arranhar/ Se o bem e o mal existem/ Você pode escolher/ É preciso saber viver...”, mas quem é a pedra nesse caso? E assim nós poderíamos listar tantas outras canções e seus respectivos compositores e intérpretes, que tanto lutaram contra todo tipo de censura e intimidação, mas que, agora, integram um grupo castrador.

Ao se posicionarem contra as biografias não autorizadas, ao se unirem para insistir numa lei esdrúxula, que inibe previamente a publicação de textos biográficos que não convirjam com os quereres e anseios de seus biografados (ou herdeiros destes), invertem a posição de “promotores da liberdade e do livre pensamento” – como o percurso da maior parte deles, respeitavelmente, mostra – para integrarem o time dos que querem calar a quem quer que seja, como fizeram com eles próprios na ditadura.

Tentam justificar o injustificável, buscam se cercar, diante do público, com argumentos de “preservação da intimidade”, “proteção familiar” etc., mas não o convencem. E não convencem porque, quando chegam à questão de “direitos autorais”, insistem na ideia de que é o artista dono de sua própria história; sendo assim, somente ele teria condições de ganhar com ela.

Aí, a meu ver, é que pega. Se fossem mais claros e dissessem: “Sim, a questão é financeira. Sim, nós queremos parte do saldo das vendas das biografias. Sim, nossos filhos e netos precisam continuar vivendo de nosso produto cultural”. Ainda que tenhamos “poréns” para isso, seria mais honesto essa situação.

Agora, ficam na defensiva com esse jogo nebuloso, com esse disque-disque, sem dizer nada; aí não dá. Vivemos numa democracia, que eles próprios ajudaram construir; não precisam mais usar de metáforas ou quaisquer outras figuras de linguagem para dizerem o que pensam. Que sejam diretos.

É claro que vou continuar a ouvi-los. É claro que suas canções continuarão em meus aparelhos de som. É claro que não tem como não gostar da música de qualidade que, ao menos a maior parte deles, produz. Mas também não precisariam macular a própria biografia com esse tipo de atitude. Pior pra eles: certamente a lei da não censura será aprovada nas casas de leis do país, sancionada pela presidente da república e respaldada no judiciário como o caminho viável para produção desse tipo de literatura. E eles? Terão que ler em suas próprias biografias que insurgiram contra a liberdade de expressão em pleno século XXI.

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