sexta-feira, 28 de junho de 2013

SE ESSA RUA FOSSE MINHA

*Graduando em Arquitetura e Urbanismo pelo Mackenzie
As recentes manifestações que ocorreram no Brasil - e que ainda ocorrerão - partem de um motivo aparentemente pequeno, mas que na realidade é de primeira importância para o funcionamento das cidades.

Enquanto urbanista, considero que mobilidade urbana é tema fundamental das discussões contemporâneas sobre ajuntamentos urbanos. As cidades estão cada vez maiores, cada vez mais segregadoras e com serviços cada vez menos eficientes e sustentáveis. A relação entre a curva de demanda e de qualidade é inversamente proporcional, o que torna nossas "urbes" cada vez piores.

Se no começo do  século XX, a Revolução Industrial levou grande massa trabalhadora do campo para as cidades inglesas, francesas e alemãs, no Brasil, esse processo tardio foi sentido na metade do século XX. 

Toda a América Latina recebeu multinacionais interessadas na excessiva mão de obra barata e num pequeno mercado burguês. A velocidade dessas mudanças exigiu que um planejamento na área de transportes fosse feito para que as cidades pudessem comportar a demanda humana, mas não foi isso que aconteceu. 

Desde os planos desenvolvimentistas da metade do século passado, o Brasil tem investido esforços em um sistema de transporte rodoviário individualista. Partindo de um abandono de nossas ferrovias até os projetos de pistas elevadas – como o Costa e Silva, mais conhecido como Minhocão, em São Paulo – nas capitais brasileiras, o automóvel tem sido priorizado como meio de transporte. Evidentemente que no meio dessa novela, o governo se colocou como “refém” de corporações, beneficiando multinacionais como a Volkswagen e Chevrolet; (pode ter sido um investimento ingênuo, mas eu prefiro acreditar que, nesse caso, os bilhetes que correram sob a mesa deram a voz final). 

Na cidade de Londres, o primeiro metrô  foi construído em 1890. O primeiro metrô brasileiro foi construído em 1975, na cidade de São Paulo, quando a população já alcançava os milhões. Para quem pensa que é natural que cidades latinas demorem anos para absorver o desenvolvimento europeu e atrasem os investimentos nos serviços básicos urbanos se engana. Buenos Aires teve sua primeira linha de metrô em 1913. Mas nem mesmo o atraso em investimentos justifica a pequena malha de metrô que as cidades brasileiras oferecem. A Cidade do México teve sua primeira linha construída em 1969, na época em que São Paulo também começava seus investimentos em metropolitanos. Entretanto, enquanto São Paulo tem hoje 74,3km de linhas, a Cidade do México tem 177km. Esses números servem para mostrar que há um certo desinteresse de nosso estado em proporcionar um sistema de transporte público de qualidade.   

No correr da década de 1980, enquanto as cidades africanas enlameavam-se em guerras civis tentando sobreviver aos resultados de anos de exploração dos países no norte, as massas urbanas europeias e norte-americanas passaram a discutir sobre sustentabilidade. Essa discussão apontou que a mobilidade urbana deveria ser um dos principais campos de investimentos das gestões. Os estados deveriam oferecer um transporte não poluente, público, coletivo e de qualidade. Com o crescimento das metrópoles e cidades globais (Changai, Nova Iorque, Cidade do México, São Paulo, Paris etc...) viu-se também o crescimento do caos urbano. Já se discutia a insustentabilidade social, econômica e ecológica que é transportar milhões de passageiros em carros e super avenidas. 

No caso de São Paulo, todos os dias, um Uruguai (3 milhões de pessoas) sai da zona leste e vai para o centro financeiro da cidade. São proporções chinesas. No caso de Araçatuba, os números são bem menores, mas o mecanismo é o mesmo. Não sou um estudioso do caso de Araçatuba, mas, aparentemente, o sistema público de transporte não é muito diferente de outras cidade brasileiras, guardadas as devidas proporções. A partir de exemplos, podemos propor soluções genéricas que encarem a mobilidade urbana como um SISTEMA.     

Assim como em muitas cidades, há em Araçatuba um centro comercial que atrai trabalhadores e áreas periféricas que são, predominantemente, residenciais. O ideal, de acordo com as teorias do “New Urbanism”, é que serviço e habitação dividam as mesmas áreas, de modo que as pessoas morem na área central e que haja centralidades comerciais nas periferias, a fim de evitar deslocamentos. Entretanto, não é o que acontece. Diariamente pelas manhãs, o trânsito é intenso no sentido periferia-centro e pela tarde, ao final do expediente, é inverso. Geralmente, os ônibus fazem o trajeto periferia-centro-periferia, passando por um “grande” terminal central que distribui os fluxos pela cidade em diversos sentidos.


No caso de Araçatuba, o sistema é alimentado somente por ônibus e micro-ônibus. Acredito que esse sistema é bastante interessante, mas não podemos acreditar que seja o único modelo capaz de resolver todos os problemas de mobilidade. Investir em transporte público de qualidade é muito mais do que disponibilizar meia dúzia de ônibus velhos para carregar pobres que só utilizam este serviço por falta de opção. Precisamos oferecer um sistema capaz de suprir as demandas em todos os níveis sociais. Melhorar a qualidade, a frequências e os pontos são só os primeiros passos para um sistema de transporte público eficiente.

Mas até pegar o ônibus, no trajeto entre a casa e o ponto, o cidadão tem que andar por calçadas perigosas e desinteressantes. Nossas calçadas são estreitas, esburacadas, cheias de interferências (postes, lixeiras, grades, degraus) e, consequentemente, pouco convidativas. Uma pesquisa realizada em São Paulo, mostrou que 30,8% dos trajetos realizados na capital são feitos a pé. Por mais incrível que possa parecer, as pessoas ainda costumam usar as pernas e pés para se movimentar e não só para acelerar um pedal. Por que não incentivar esse meio de transporte com projetos de calçadas arborizadas, regulares e pavimentadas, sem interferências, largas e convidativas? A mobilidade começa na calçada.  Um dos bons exemplos é a calçada da Avenida São Luís, em São Paulo.


Este é um bom exemplo de uma calçada sombreada, pavimentada, larga, própria para cadeirantes e com acessos à lojas e serviços no nível do pedestre. Ainda que falte o piso tátil para deficientes visuais, ela serve como modelo. Abaixo, temos a foto de uma rua em Araçatuba, que não possui, sequer, a calçada e, por isso, foi motivo de um inquérito instaurado pelo Ministério Público. 

Mas um sistema de qualidade é necessariamente um sistema misto. Além das calçadas e dos ônibus, há também os VLTs. VLTs ou Veículos Leves sobre Trilhos são comboios, como o metrô, mas que percorrem trilhos instalados em superfície numa velocidade reduzida, dividindo o espaço das ruas com os carros. Algo parecido com os antigos bondes, mas mais modernos e eficientes. No Brasil, algumas cidades já possuem projetos, mas apenas em poucas estão em processo de execução, como é o caso de Brasília. Em cidades europeias esse sistema é mais utilizado. A cidade de Araraquara já possui um projeto humilde, mas competente, de um VLT que liga dois bairros numa extensão de 12km. 


Outro sistema de transporte eficiente, que pode ser integrado, é a ciclovia. Atualmente, em Araçatuba, existe uma ciclovia na Rua do Fico que leva o nada ao lugar nenhum, além de outro trecho de igual performance na região da Unimed. Não sei quem teve a brilhante ideia de pintar o asfalto de vermelho e acreditar que estivesse criando uma ciclovia. Ciclovia é muito mais do que uma faixa vermelha no asfalto. Ela precisa ser integrada com outros sistemas de transporte, de modo que o cidadão possa sair da casa pela manhã, quando o sol ainda é fraco, e pedalar por POUCOS quilômetros até um terminal urbano ou estação de VLT com bicicletário disponível para guardar a bicicleta. Ao final do dia, o trajeto inverso pode ser feito sem grandes problemas.

Abaixo, temos a foto do sistema de ciclovias da cidade de Sorocaba, no interior do estado de São Paulo. É um dos mais eficientes do País e uma de suas maiores características é a conexão com os outros tipos de transporte.


Devemos nos atentar para nossos hábitos. É muito importante rever nosso sistema de transporte considerando, a priori, que vivemos em uma sociedade urbana. O equilíbrio dessas relações depende também do funcionamento efetivo dos serviços necessários para a mínima qualidade de vida. Já é evidente que o transporte em carros ultrapassa as discussões de insustentabilidade ecológica e atravessa os debates de insustentabilidade social. O desafio é mudar a mentalidade de que transporte coletivo é serviço de pobre e proporcionar qualidade suficiente para que a classe média e alta abra mão do carro e passe a usar um sistema público mais barato, mais sustentável e eficiente.    

Enquanto aqueles (nós) que não estão preocupados com o transporte coletivo permanecerem achando que é normal rico andar de carro e pobre andar de ônibus, continuaremos a conviver com os mesmos problemas sociais com os quais convivemos há anos. Investimento em mobilidade urbana é benefício para a sociedade de modo geral. Não precisamos fazer campanha contra os altos impostos embutidos nos automóveis produzidos no Brasil. Precisamos fazer campanha contra um sistema individualizado e lutar por cidades mais democráticas e eficientes. 

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