sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Discurso Colação de Grau - Luiz Benedito Telles

*Graduando em Arquitetura e Urbanismo pelo Mackenzie
Semana passada eu fui à colação de grau da minha turma. Por acaso, eu não estava me formando, mas isso não vem ao caso (risos). O que importa é que, durante a cerimônia, o professor Dr. Luiz Benedito Telles, patrono da turma, leu um discurso bastante rico em muitos aspectos. Compartilho aqui, com vocês, as reflexões feitas pelo professor que, entendo ser, contribuição de real valor para a reflexão sobre Arquitetura e Urbanismo.


Queridos amigos, sinto-me verdadeiramente honrado e muito feliz por sua generosidade e gentileza, que me permitem estar aqui mais uma vez próximo a vocês, num dia de festa e celebração da conclusão de uma etapa cumprida e do recomeço de outras muitas possibilidades de vida.

Mesmo sendo dia de festa e alegria, mas também por muito respeitá-los, sinto-me no dever de mais uma vez relembrá-los sobre o difícil cenário que envolve nosso trabalho nos dias atuais.

Tendo a cidade contemporânea como palco, devemos atentar sobre as incongruências que permeiam nossa sociedade, evidenciando as dificuldades que envolvem o projeto coletivo e, portanto, o projeto de arquitetura e urbanismo. Dificuldades oriundas principalmente da vaidade pessoal, da busca desenfreada pelo poder e da cultura elitistamente opressiva e igualmente vaidosa, ou seja, do narcisismo individualista que somente se satisfaz pelo consumismo exagerado e pela vontade inesgotável do aparecer, do se projetar como se tratasse de simples mercadoria.

Entre nós brasileiros, o próprio atraso adquire roupagem de progresso, de vanguarda e, assim, a casa burguesa estereotipada se transforma em modelo, referência e objetivo a ser alcançado, pela população de menor poder aquisitivo. 

O “aparentar ou representar” torna-se mais importante do que a realidade do ser. 

A nossa sociedade expressa, no dia a dia, seu pequeno envolvimento com a política, com o social, com a cultura, deixando-se levar pela negligência e corrupção de muitos, especialmente de políticos “eleitos”, esquecendo-se do coletivo e baseando sua vida no individualismo e no direcionamento intencional das imagens midiáticas.

O espetáculo se infiltra na vida do cidadão, para que sempre a venda se estabeleça e leve ao indivíduo a sensação de aquisição otimizada, mesmo que se trate de bugigangas como brinde, justificando preços mais altos para tudo aquilo que certamente não necessitamos; trata-se da evidência, em nossa cultura, da ausência total do sentido de realidade. 

Nesse contexto, são mescladas em edifícios “tendências conceituais pretensiosamente atuais, tecnológicas e chiques” erguidas com mão de obra não qualificada e explorada pelo próprio processo de construção. 

Em termos urbanos, através de projetos discutíveis de arquitetura e urbanismo, evidencia-se a invisibilidade programada e consentida da exclusão em todos os sentidos, inclusive o social, a gentrificação, desvirtuamento da geografia da cidade, perdendo-se o sentido de caminho, de alvo / horizonte e da possibilidade melhor. 

O significado de cultura no cenário da contemporaneidade, em que se estabelece a cultura de massa, se caracteriza pelo desaparecimento da opinião pública, pelos grandes eventos do entretenimento alienante, pela construção e imposição de simulacros pela mídia e pelos novos meios de comunicação.

Cultiva-se também o poder das imagens que busca desorientar, para melhor conduzir o comportamento das pessoas, contrariando o próprio sentido de cultura pela falta de olhar crítico, ponderação, reflexão. Assim, a mercadoria é oferecida à massa, que cada vez mais reúne indivíduos apáticos envolvidos pelo divertimento inconsequente. 

Modismo e respectivas formas de conhecimento dissimulam a realidade pela propaganda, ilusão, publicidade, em resumo, pela dissimulação intencional, dando origem à “indústria cultural” que transforma obras de arte e de arquitetura e urbanismo em mercadoria à disposição do imprescindível consumo prazeroso.

O desvirtuamento do espaço público se estabelece em benefício do egoísmo / individualismo do cidadão, que prioriza de forma exacerbada o espaço de sua casa / de sua moradia. 

Os problemas urbanos, as segregações sociais evidentes tornam-se invisíveis para os que se acostumam, de forma induzida, a não mais ver, e o senso crítico, aos poucos, desaparece do olhar e da mente do cidadão. O espetáculo vai tomando conta de nós e de nossas cidades.

Fingimos que não vemos os problemas da sociedade que não nos afetam diretamente.

O adjetivo substitui o substantivo, a ilusão substitui a realidade.

E assim, os indivíduos em ascensão econômica são tendentes a esquecer o próprio passado e a abraçar de maneira infantil os simulacros da atualidade adjetiva dos frisos, terraços gourmets e das suítes, especialmente da suíte máster.

Essa tendência pode ser constatada também em grande parte dos edifícios comerciais e de serviços que, ironicamente, se apresentam como inteligentes e sustentáveis. O lucro comanda o processo. E a paisagem urbana, ao mesmo tempo que se descaracteriza, vai revelando, no tempo, incongruências e injustiças.

Esse contexto mostra a relevância imprescindível da participação de profissionais idôneos e competentes para a reconstrução do País, e dos arquitetos e urbanistas na transformação das cidades e consequentemente da geografia urbana. 

E a partir de hoje, meus queridos, vocês são arquitetos e urbanistas e, por favor, jamais se esqueçam que – antes de mais nada – vocês são seres humanos, sociais e políticos. E os seres humanos arquitetos buscam criar espaços competentes, sem distinção, para os outros seres humanos. 

O exercício da criatividade, do conhecimento e da compreensão do outro pelo diálogo, nos facilitará o caminho para o bom trabalho, trabalho, esse, que não deve superdimensionar reconhecimento, projeção, honorários, nem exacerbação do próprio ego. Deve sim se preocupar, em primeira instância, com a proposta sincera e adequada do melhor abrigo para o outro. 

Faz-se necessário que o profissional arquiteto e urbanista procure conhecer e respeitar os futuros usuários do espaço a ser proposto, compreender suas aspirações, condições e sonhos para que o diálogo sincero (e sem vaidade) se processe e materialize abrigos consistentes, poéticos, belos. 

O arquiteto, partindo do contexto, deve buscar atmosferas espaciais que possibilitem plenamente a “morada” em futuro próximo, mas também e, principalmente, abrigos e espaços que despertem nas pessoas afetividade e evolução. Em oposição ao que acontece em nossos dias, deve-se jamais permitir que o contato, a responsabilidade e a palavra, no tempo, sejam substituídos por um mero e simples contrato. Ou seja, a ética da responsabilidade deve ser sempre cultivada.

Precisamos nos fazer mais corajosos, mais fortes, lutadores, mais idôneos, mais competentes, nas propostas de reconstrução de nosso abrigo, em sentido amplo e social, ou seja, na construção de nossas cidades.

Por favor colegas, empenhem-se de corpo e de alma; edifiquem seus ideais e aspirações; considerem com carinho e seriedade suas utopias; munam-se de conhecimento sensato e embasado; troquem o máximo de informação; exerçam o direito da disciplina, do empenho e da reflexão; controlem e dominem suas vaidades; sejam éticos e felizes. 

Meus queridos, para finalizar, peço-vos um favor: não se mirem nos personagens do poder, da arrogância, da prepotência, das politicagens e das camuflagens. Muito menos, nos personagens do egoísmo, das sombras, das maledicências, e do  “vale tudo” para garantir a própria posição. Personagens que se travestem de exotismos em competição desenfreada. Também não se mirem nas submissas mulheres de Atenas, relembradas pelo Chico Buarque.

Mirem-se, sim, nas pessoas de intenções transparentes, nas pessoas que buscam a simplicidade, o bem comum, a postura ética, a competência, a coragem, o autoconhecimento, a afabilidade e, por que não, a doçura? Quero reconhecê-los em ações e posturas que cultivem a natureza, a cidade e as comunidades.

Essa nossa profissão de arquiteto e urbanista, embora trabalhosa, nos abre horizontes para que vivamos próximos das artes e que vivamos com arte, de forma que cada desafio seja compreendido como um belo motivo para criar, postura inerente ao homem pensante. 

Sejam sinceros com vocês mesmos, com nossa cultura, com o outro. Façam com sinceridade  e competência  as  obras de arte de arquitetura e urbanismo. Façam de suas vidas a mais verdadeira,  a maior e a mais bela de suas obras de arte.

Que a vida seja cada vez melhor não por simples dádivas e oportunidades facilitadas, mas pelos esforços próprios e conjuntos, pela vontade política e pela força de vontade; pelo discernimento, pelo conhecimento, pelo empenho. Reconstruam com sabedoria as nossas cidades-abrigo.

Por causa de vocês, o hoje e o agora se tornaram inesquecíveis na minha vida. Confio imensamente em vocês, por isso acredito na possibilidade de um futuro muito melhor. 

Parabéns, muito sucesso e muito obrigado, mesmo!

Luiz B Telles – 30 de julho de 2013

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