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*Graduando em Arquitetura e Urbanismo pelo Mackenzie |
Durante as
manifestações ocorridas, muito se falou sobre os protestos pacíficos e ordeiros
como um modelo de manifestação saudável e madura. Aqueles que, por qualquer
motivo, faziam das manifestações um instrumento de depredação do patrimônio
público, logo eram classificados como uma minoria desordeira de baderneiros.
Numa avaliação
histórica sobre patrimônio, voltamos à França revolucionária. Lá, o patrimônio que
antes pertencia à realeza, em um determinado momento, passou a pertencer ao
povo. Para a preservação do mesmo, medidas foram tomadas desde antes da
Revolução Francesa com a finalidade de salvaguardar o patrimônio, agora
nacionalizado, já que, se agora é do povo, o povo pode fazer o que quiser.
Não bastou. Igrejas foram
incendiadas, estátuas derrubadas ou decaptadas, castelos saqueados. Para
Françoise Choay, desde que a palavra vandalismo foi cunhada pelo abade
Gregório, o pesado balanço das destruições revolucionárias já foi feito e a
historiografia da sua abordagem historiográfica foi detalhadamente
estabelecida. Basicamente, o vandalismo pode ser classificado como 1) atos
privados e pontuais de vandalismo ou 2) vandalismo ideológico.
Diante das revoluções
do século XVIII, inúmeras medidas foram tomadas ora para preservar, ora para não
preservar. Isto porque, uma população insatisfeita com a nobreza e com o clero
se levantava para destruir todos os sinais da realeza e da feudalidade. O
decreto mais radical ordena em 1 de Novembro de 1792 que “todos os monumentos da feudalidade sejam convertidos em canhões ou
destruídos” (1999, CHOAY). O historiador D. Herman disse que “muito mais do
que vândalas, as destruições [da Revolução] são cívicas e patrióticas”. Isso é
o que eu chamo de vandalismo ideológico.
Desde o início das
recentes manifestações do mês de junho, a mídia sempre se colocou contra
qualquer tipo de vandalismo, pontual ou ideológico. Numa atitude bastante
conservadora, característica ontológica desta, nada justifica a depredação do
patrimônio. Assim, para ela, a manifestação só assumiu um grau de legitimidade
quando os vidros quebrados das agências bancárias deram lugar aos cartazes
“criativos”.
Esse discurso de
preservação do patrimônio não parte da própria mídia. A preocupação repentina
com o patrimônio vem de uma classe endinheirada que, de modo geral, não tem a
mínima preocupação com o patrimônio. Paradoxalmente, aqueles que diante das
manifestações pregam pela preservação, são os primeiros a ultrapassarem as leis
urbanas de edificações para beneficiarem-se com novos edifícios lucrativos.
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Jovens manifestantes depredam banco no Rio |
Um dos maiores
historiadores do século XX, Giulio Carlo Argan apontou em seu livro: História
da Arte como História da Cidade, que: “uma
das contradições do nosso tempo está no fato de que as forças políticas
progressistas tendem a conservar e as forças políticas conservadoras a destruir
o tecido histórico das cidades”.
O compromisso de preservação
do patrimônio, conservação do tecido urbano, valorização das áreas centrais,
entre outros, quase sempre parte da massa que vai para as ruas, protesta e se
preciso, vandaliza. De um outro lado, a destruição de edifícios históricos, o
abuso de patrimônio para especulação imobiliária, o arrasamento de quarteirões
da cidade histórica sem qualquer compromisso, visando somente o lucro, parte
quase sempre daqueles que diante das manifestações vândalas, sobrevoam com
olhar soberbo e dizem: vândalos!
A partir do momento
que o povo se torna dono do patrimônio, e o patrimônio tem como característica
fundamental contar a história de uma sociedade, este não pode ser preservado
pelo simples fato de ser patrimônio. Por mais contraditório que seja, é por
ser patrimônio que este deve carregar as marcas de lutas sociais. Se por acaso,
algum patrimônio histórico de alto valor para nossa sociedade for destruído,
que as futuras gerações saibam que um dia, alguém entendeu um dos verdadeiros
valores da arquitetura.
Não é uma apologia à
violência. É um incentivo a amplificação da voz popular que não se importa com
a preservação de theatros municipais, museus, estátuas porque a elas nunca foi
dado o direito de usufruir destes edifícios. Eu não imagino uma Revolução
Francesa ao gritos: “Sem Vandalismo”. Eu imagino uma revolução com Bastilha
tomada, com direito a bens do clero confiscados!
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