sexta-feira, 2 de agosto de 2013

PELA PRESERVAÇÃO DO HOMEM

*Graduando em Arquitetura e Urbanismo pelo Mackenzie
A publicação de hoje ecoa das enfervecidas discussões políticas ocorridas durante o mês de junho. Assumo uma perspectiva reflexiva para que, juntos, possamos pensar sobre o tema desse nosso texto.

Durante as manifestações ocorridas, muito se falou sobre os protestos pacíficos e ordeiros como um modelo de manifestação saudável e madura. Aqueles que, por qualquer motivo, faziam das manifestações um instrumento de depredação do patrimônio público, logo eram classificados como uma minoria desordeira de baderneiros.

Numa avaliação histórica sobre patrimônio, voltamos à França revolucionária. Lá, o patrimônio que antes pertencia à realeza, em um determinado momento, passou a pertencer ao povo. Para a preservação do mesmo, medidas foram tomadas desde antes da Revolução Francesa com a finalidade de salvaguardar o patrimônio, agora nacionalizado, já que, se agora é do povo, o povo pode fazer o que quiser.

Não bastou. Igrejas foram incendiadas, estátuas derrubadas ou decaptadas, castelos saqueados. Para Françoise Choay, desde que a palavra vandalismo foi cunhada pelo abade Gregório, o pesado balanço das destruições revolucionárias já foi feito e a historiografia da sua abordagem historiográfica foi detalhadamente estabelecida. Basicamente, o vandalismo pode ser classificado como 1) atos privados e pontuais de vandalismo ou 2) vandalismo ideológico.

Diante das revoluções do século XVIII, inúmeras medidas foram tomadas ora para preservar, ora para não preservar. Isto porque, uma população insatisfeita com a nobreza e com o clero se levantava para destruir todos os sinais da realeza e da feudalidade. O decreto mais radical ordena em 1 de Novembro de 1792 que “todos os monumentos da feudalidade sejam convertidos em canhões ou destruídos” (1999, CHOAY). O historiador D. Herman disse que “muito mais do que vândalas, as destruições [da Revolução] são cívicas e patrióticas”. Isso é o que eu chamo de vandalismo ideológico.

Desde o início das recentes manifestações do mês de junho, a mídia sempre se colocou contra qualquer tipo de vandalismo, pontual ou ideológico. Numa atitude bastante conservadora, característica ontológica desta, nada justifica a depredação do patrimônio. Assim, para ela, a manifestação só assumiu um grau de legitimidade quando os vidros quebrados das agências bancárias deram lugar aos cartazes “criativos”.

Esse discurso de preservação do patrimônio não parte da própria mídia. A preocupação repentina com o patrimônio vem de uma classe endinheirada que, de modo geral, não tem a mínima preocupação com o patrimônio. Paradoxalmente, aqueles que diante das manifestações pregam pela preservação, são os primeiros a ultrapassarem as leis urbanas de edificações para beneficiarem-se com novos edifícios lucrativos.

Jovens manifestantes depredam banco no Rio 
Um dos maiores historiadores do século XX, Giulio Carlo Argan apontou em seu livro: História da Arte como História da Cidade, que: “uma das contradições do nosso tempo está no fato de que as forças políticas progressistas tendem a conservar e as forças políticas conservadoras a destruir o tecido histórico das cidades”.


O compromisso de preservação do patrimônio, conservação do tecido urbano, valorização das áreas centrais, entre outros, quase sempre parte da massa que vai para as ruas, protesta e se preciso, vandaliza. De um outro lado, a destruição de edifícios históricos, o abuso de patrimônio para especulação imobiliária, o arrasamento de quarteirões da cidade histórica sem qualquer compromisso, visando somente o lucro, parte quase sempre daqueles que diante das manifestações vândalas, sobrevoam com olhar soberbo e dizem: vândalos!

A partir do momento que o povo se torna dono do patrimônio, e o patrimônio tem como característica fundamental contar a história de uma sociedade, este não pode ser preservado pelo simples fato de ser patrimônio. Por mais contraditório que seja, é por ser patrimônio que este deve carregar as marcas de lutas sociais. Se por acaso, algum patrimônio histórico de alto valor para nossa sociedade for destruído, que as futuras gerações saibam que um dia, alguém entendeu um dos verdadeiros valores da arquitetura.

Não é uma apologia à violência. É um incentivo a amplificação da voz popular que não se importa com a preservação de theatros municipais, museus, estátuas porque a elas nunca foi dado o direito de usufruir destes edifícios. Eu não imagino uma Revolução Francesa ao gritos: “Sem Vandalismo”. Eu imagino uma revolução com Bastilha tomada, com direito a bens do clero confiscados!

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