terça-feira, 13 de agosto de 2013

Uma locomotiva chamada poesia

*Jornalista e escritor
E o sarau “Manuel Bandeira, estrela da vida inteira” aconteceu. E foi muito lindo. E foi marcante. E vai continuar.


Conforme combinado, às oito horas o apito da locomotiva avisava aos passageiros do teatro Castro Alves que a viagem iria começar. O coral da Apeoesp, sob regência de Marinete Capóssoli, botou a máquina pra funcionar: “Café com pão, café com pão, café com pão...”. E o maquinista, Tito Damazo, só na expectativa. 

Os vagões se seguiram ao longo dos trilhos: Pedro Alves declamando “Poética”, com toda sua indignação; o Brito veio no segundo vagão com um “Poema só para Jaime Ovalle” e as mulheres que amou; Larissa Mazinek, ensimesmada, trouxe “Epígrafe” e sua dramaticidade; o vagão de Larissa Meca, entoando “Testamento”, deixou-nos uma herança de comoção.

O trem já rasgando a noite, passou por um túnel e, de presente para os passageiros, eis que aponta no céu uma “Estrela da manhã”. Ah, eu quero esta estrela da manhã. Nas várias paisagens que podiam ser vistas ao longo da viagem, árvores, serras, pássaros... Mas foi um tal de “Boi morto” que mais chamou a atenção do público.



Os vagões eram preenchidos com diferentes figuras; a Fernanda Colli, por exemplo, encheu seu vagão de suave perfume da “Balada das três mulheres do sabonete Araxá”. E, num canto do mesmo vagão, Hosanah gritava desesperado ao ler um “Poema tirado de uma notícia de jornal”: “Suicidou-se... um homem se matou na Lagoa Rodrigo de Freitas!”.

Havia um vagão com um baile daqueles, com mulheres e homens mascarados. Uma certa senhora portuguesa, de codinome Lula, cantava imponente “Portugal, meu avozinho”, enquanto Wanilda dizia aos quatro ventos: “Não sei dançar”... E dá-lhe alegria, e tome alegria!


Era noite de lua cheia, e ela reinava brilhante no céu. Linda, majestosa, única. Para Ana Almeida, assim: “Satélite”. Porém, nem todos aproveitavam o espetáculo da lua. Motivo pelo qual, Albertina Saraiva respondeu: estão todos dormindo, estão todos deitados dormindo “Profundamente”.

Seu Vicente, sábio e experiente na vida, fez uma “Confissão” que deixou a todos enamorados: Marianice chegou a ver “Andorinha” no “Céu” de Maria José. Pode? Andorinha à noite? Como a maior parte estava dormindo, Tito sugeriu que Manuela declamasse “O último poema” da noite. E assim foi feito.

E a viagem seguiu caminho... (Café com pão, café com pão, café com pão, café com pão...).



Parece que o sono fizera bem a todos, tanto é que Hosanah acordou cheio de “Neologismos”, falando de amar uma tal de Teodora... Todos pararam, sob o convite de Maria Rosa Dias, para um “Momento num café”. Duxtei tossia entre todos... parecia pneumonia; o médico chegou pedir, inclusive, um “Pneumotórax”.

Em roda masculina, falavam de uma tal “Balada do Rei das sereias” e de um caso de “Tragédia Brasileira”, comentado pela Rita Lavoyer, em que uma prostituta havia sido assassinada no Rio de Janeiro. Brito, cheio de si, veio com uma história de “Autorretrato” sobre o qual expunha suas frustrações. Hosanah declamava “Poema de finados” e, de longe, ouvia-se “A onda” do mar que se apontava entre as colinas, fazendo lembrar aos passageiros “Evocação do Recife” e “Rio Antigo”, que Cidinha Baracat fez questão de declamá-lo inteiro, sendo aplaudida de pé por todos.


Rose, mergulhada no clima, cantou “Versos escritos n’água” e, nessa altura Antenor Rosalino aproveitou o “Crepúsculo de Outono” para também integrar o grupo. Ana Almeida veio correndo abruptamente, gritando: “mais carvão, mais carvão, a locomotiva precisa de mais carvão...”, talvez ainda por estar envolvida com os “Meninos carvoeiros”. Elaine Alencar, frente à aflição e a sensação de “Desencanto” que finalizava o dia, soltou: “Eu faço versos como quem morre”!

Uma doce “Brisa”, trazida por Sueli, acalmou os ânimos e fez com que a viagem retomasse o clima de paz. E todos, numa única voz, gritavam:



“Vou-me embora para Pasárgada”!

(Enquanto isso, nos bastidores, Paupitz, Luceni e André cuidavam pra que os atos, o som e a luz abraçassem a todos no espetáculo).

3 comentários:

  1. Que maravilha!
    Este é o Luceni.
    Como tenho dito:

    ANTONIO
    Antônimo do trivial
    Sutil
    Competente
    Arrebentou no sarau

    (E, de novo,no texto).

    Wanilda Borghi

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  2. Manuel Bandeira, estrela maior, deve ter se orgulhado de tanto talento.
    Por mais a dedicação foi tamanha e o resultado uma obra de arte, que merece ser vista mais vezes.
    Sua sutileza em descrever o espetáculo, transforma a arte em necessária.
    Antonio Luceni é de extremo prazer poder acompanhá-lo...
    Vamos à luta!
    Café com pão, café com pão...

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  3. Parabéns, Antonio, por tão belíssima e sensória narrativa desse maravilhoso evento que, infalivelmente, perpetuar-se-á na lira araçatubense. Abraços fraternos.

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